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Jornalista e comentarista de economia

Opinião|O Brexit duro e seu preço

Afinal, o que esperar da saída do Reino Unido da União Europeia caso não haja acordo?

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Analistas renomados advertem que, no caso do Brexit duro, o precipício está logo ali, o carrão inglês não dá sinais de que vai parar ou mudar de direção e o mergulho parece inevitável. As consequências são caóticas, avisam eles.

A primeira-ministra britânica, Theresa May Foto: REUTERS/Dylan Martinez

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Para ser um pouco mais objetivo, o que seria um Brexit duro, de que precipício estão falando e quanto caóticas seriam as consequências?

Brexit duro seria o desligamento entre Reino Unido e União Europeia, decidido em 2016 por plebiscito, sem nenhum acordo entre as partes. O acerto negociado pela primeira-ministra Theresa May foi rejeitado pelo Parlamento e a data-limite para a separação é 29 de março, pouco mais de um mês.

Theresa May ainda tenta arrancar alguma nova concessão da União Europeia, mas, até agora, as declarações enfáticas dos dirigentes são de que não haverá arrego. Portanto, se não houver uma espécie de milagre de última hora, será preciso encarar o precipício.

Os separatistas sustentam que os anti-Brexit estão produzindo alarmismo. E que essa separação amigável não será muito diferente de uma separação de um casal comum: na hora dói, produz algum transtorno, mas com o alívio vêm as coisas boas dos novos encontros. Para curar mal de amor, só mesmo um novo amor, receitava quem conhecia o assunto, o poeta Ovídio.

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Pode não ser tão simples nem tão fácil ou tão barato quanto sugerem os separatistas. Além de um período de recessão, o presidente do Banco da Inglaterra (banco central), Mark Carney, prevê que, nos primeiros anos depois de uma separação assim, a inflação, que hoje está na casa dos 2,0%, irá para os 6,5% ao ano. A principal causa dessa alta de preços será o encarecimento geral das mercadorias, reflexo da incidência de taxas alfandegárias de pelo menos 4,3% (em média). Mais adiante, é provável que os preços dos serviços também disparassem à medida que o fluxo migratório fosse interrompido. Inflação mais alta, por sua vez, exigirá juros básicos mais altos para enfrentar o aumento do custo de vida. Eles estão hoje em 0,75% ao ano e poderão saltar para 5,5% ao ano.

E qual seria a recessão que se seguiria ao Brexit sem acordo? Cada instituição financeira e consultoria tem lá seus números. A União de Bancos Suíços (UBS), por exemplo, calcula que a perda de renda acumulada no Reino Unido, no período 2019 a 2023 (inclusive), em comparação com o PIB atual, deverá oscilar em torno de 10%. Em quatro anos, esse cenário puxará o desemprego dos atuais 4,0% da população ativa para 5,3%.

A principal explicação para o fechamento dos postos de trabalho é, outra vez, o novo regime alfandegário. Grande número de empresas já fez suas contas e concluiu que é melhor transferir unidades inteiras do Reino Unido para outros países da União Europeia onde os custos de produção serão mais baixos. A gigante Unilever, por exemplo, já fechou escritórios situados em Londres e os abriu em Roterdã, Holanda. Na semana passada, a Honda avisou que fechará sua fábrica de veículos localizada em Swindon, onde trabalham 3,5 mil funcionários.

Seria inevitável a quebra de cadeias produtivas inteiras. Grande parte da indústria enfrentaria a desestruturação de sua rede de suprimento de insumos e dos cronogramas just in time (previsão de entrega de peças, componentes e matérias-primas de acordo com o ritmo de produção). Os jornais ingleses têm noticiado princípios de pânico entre a população diante da ameaça de falta de medicamentos e de alimentos essenciais.

O Sindicato Nacional de Agricultores do Reino Unido teme o impacto sobre seu setor. Cerca de 65% dos produtos agrícolas são exportados aos países da União Europeia. Além de taxas alfandegárias, podem enfrentar eventuais mudanças regulatórias por parte das autoridades da União Europeia, sempre muito sensíveis a essas questões. Como essa estrada tem duas mãos de direção, é preciso ver, também, quanto a União Europeia perderia. Um relatório da Comissão Europeia calcula que as exportações agrícolas do bloco para o Reino Unido cairiam 62%, algo em torno de US$ 34 bilhões por ano. Já os britânicos exportariam US$ 19 bilhões a menos.

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E não estamos falando aqui do pandemônio que poderá acontecer se não for encontrada solução satisfatória para a situação das fronteiras entre a Irlanda (parte do bloco da União Europeia) – na sexta-feira, o governo irlandês publicou uma lei que busca mitigar os efeitos de um Brexit duro – e Irlanda do Norte, integrante do Reino Unido. Ou se não for encontrada solução para os cidadãos da União Europeia que vivem no Reino Unido e para os cidadãos do Reino Unido que vivem nos países da União Europeia.

Tudo isso é apenas parte das consequências do mergulho no precipício, que fica logo ali...

Opinião por Celso Ming

Comentarista de Economia

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