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Jornalista e comentarista de economia

Opinião|O cálculo da inflação, outra vítima do vírus

Escapadas de curva parecem inevitáveis na variação do IPCA e de outros índices de preços

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Atualização:

O índice de inflação que será divulgado no próximo dia 9 virá com certas distorções, porque a pandemia e o confinamento das famílias produziram importantes mudanças na estrutura de consumo.

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Itens como refeições fora de casa, serviços pessoais (barbeiro, manicure) e condução, que têm peso importante na cesta de consumo, caíram a níveis residuais. Subiram outros, como farmacêuticos e despesas de supermercado, mas não na proporção inversa da queda de consumo dos itens anteriores. Há fortes alterações tanto na estrutura do consumo de mercadorias e serviços que compõem a cesta média da família brasileira como, também, nos preços. Gasolina e etanol, por exemplo, deixaram de ser consumidos aos níveis anteriores e tiveram expressiva redução de preços. 

Os institutos que aferem as mudanças no custo de vida trabalham com uma estrutura de consumo, levantada a partir de longas e minuciosas pesquisas. Essa estrutura varia relativamente pouco nos levantamentos ordinários feitos de um mês para o outro. 

Índices de custos medem a perda do poder de compra do consumidor Foto: Fábio Motta/Estadão

Como atesta Guilherme Moreira, coordenador do Índice de Preços ao Consumidor da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (IPC-Fipe), mudanças de curto prazo nos custos de consumo são impraticáveis, porque esses são levantados com base na Pesquisa de Orçamento Familiar (POF), realizada a cada dez anos pelo IBGE com o objetivo de compor uma fotografia pormenorizada dos hábitos de consumo das famílias.

A última edição da POF é de 2019, com dados coletados em 70 mil lares brasileiros, em 2017 e 2018. A pesquisa contabilizou despesas que antes não existiam, como as feitas com Netflix e Uber. A partir desse levantamento, o IBGE pôde definir a cesta média pela qual calcula todos os meses a variação do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). A mudança ocorreu em fevereiro. (Veja na tabela algumas das ponderações da cesta de consumo.) 

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Peso na cesta básica dos produtos do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) Foto:

Como aponta Moreira, em princípio, não devem ser levados em consideração choques repentinos de preços que logo vão embora e reconduzem a vida à normalidade. O problema é que o atual choque deve durar mais do que durou, por exemplo, a greve dos caminhoneiros, que paralisou o País em maio de 2018 e que, na ocasião, desestabilizou o mercado de combustíveis. Nesse caso, argumenta ele, “não houve mudança de hábito de consumo, apenas uma restrição temporária de oferta”. Parece remota a hipótese de que, desta vez, em dois ou três meses, tudo volte ao normal.

André Braz, coordenador do índice do Ibre-FGV, explica que, por ser essencial para as famílias, a alimentação continuará tendo prioridade no orçamento, mesmo se, por exemplo, o preço do leite subir muito, já que é item essencial para famílias com crianças. “Se antes havia parte do orçamento familiar voltado para compras no mercado e comida fora de casa, agora ele é todo voltado para a alimentação caseira. Houve de fato uma quebra abrupta nos hábitos.”

Outra distorção prejudicou a exatidão dos levantamentos em março e, provavelmente, continuará prejudicando em abril e maio. Trata-se da coleta de preços feitas diretamente nos estabelecimentos comerciais, que em sua grande maioria permaneceram fechados. Produtos com grande aumento de procura não permitiram levantamento adequado de preços. O caso do álcool em gel, aponta Moreira, é um pouco diferente. Embora os estabelecimentos comerciais (farmácias) onde é mais vendido tivessem permanecidos abertos, os preços não puderam ser aferidos porque os pesquisadores não o encontraram nas prateleiras.

Para cálculo do deflator implícito nas Contas Nacionais (números do PIB), fator que permite conhecer a evolução real da renda (descontada a inflação), o IBGE terá outros recursos técnicos para chegar a conclusão mais exata. Mas para a definição da variação do IPCA e de outros índices de preços de um mês para outro, fortes escapadas de curva parecem inevitáveis.

Cabe perguntar como o Banco Central terá condições de cuidar da calibragem da sua política de juros, se tanto a variação do IPCA, régua que serve para conferir a meta de inflação, como a do chamado núcleo de inflação, sofrerão tamanhos desvios. / COM GUILHERME GUERRA

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Opinião por Celso Ming

Comentarista de Economia

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