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O ''caos'' estatístico do agronegócio

Por Alexandre de Castro
Atualização:

Tão grave quanto a hecatombe financeira iniciada nos EUA é o "caos" estatístico do agronegócio. Em verdade, o termo caos não traduz com precisão o emaranhado de metodologias empregadas para estimar a produção e a evolução espaço-temporal dos diversos elementos pertencentes às cadeias produtivas. Até mesmo o caos, em sua essência determinística, pressupõe um padrão, um norte, o que está cada vez mais difícil vislumbrar nas ababeladas estimativas de desempenho futuro do agronegócio brasileiro. Periodicamente, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada da Universidade de São Paulo (Cepea-USP), o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a Fundação Getúlio Vargas (FGV), a Organização das Nações Unidades para Agricultura e Alimentação (FAO, na sigla em inglês), o Instituto de Economia Agrícola (IEA-SP), o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA, na sigla em inglês), entre outros, emitem relatórios antevendo comportamentos evolutivos para o agronegócio. Entretanto, essa diversidade orgânica - ainda que construtiva para a pluralização da informação - origina consideráveis divergências metodológicas, acarretando notáveis variabilidades nas estimativas de preços, produção, produtividade e área plantada. Além disso, a flagrante hesitação terminológica no que concerne à pecuária, à agricultura, à agropecuária e ao agronegócio concorre ainda mais para robustecer a depreciação das projeções. Em alguns casos, a mutabilidade estatístico-numérica chega à estratosfera. Dados divulgados em janeiro pela Superintendência de Gestão da Oferta (Sugof-Conab) - Perspectivas de Preços dos Grãos para 2009: tendências - apontam que, segundo avaliação da FAO, depois de uma produção recorde em 2008, a crise mundial reduzirá em 2009 a safra de trigo nos EUA. Todavia, o USDA, no mesmo mês, divulgou uma projeção diametralmente oposta, ou seja, uma projeção de aumento de 21,87% para 2009 na produção de trigo daquele país, chegando a 68,03 milhões de toneladas, ante os 55,82 milhões da safra anterior. Igualmente paradoxais são as projeções da Conab e do USDA para a produção brasileira de arroz. Em janeiro, no quarto levantamento da Conab para a safra 2008-2009, a perspectiva era de 12.177,1 toneladas. Neste mês de fevereiro, no quinto levantamento, a Conab estima uma produção de 12.356,9 toneladas para o grão. Entretanto, para o USDA, a safra brasileira de arroz, no mesmo período, ficará em 8,3 milhões de toneladas. Discrepâncias análogas são verificadas nas estimativas de produção para outros cultivares como soja e algodão. É interessante observar que os números não variam só nas projeções futuras, mas também em safras passadas, como indica o relatório World Agricultural Supply and Demand Estimates. Outrossim, amorfas são as estimativas da produção total brasileira de grãos para 2008-2009. Segundo a Conab - excluindo-se algodão em pluma -, a produção, no quarto levantamento, em janeiro, seria de 137.033,8 toneladas, ou seja, queda de 4,9% em relação à safra anterior; já para o USDA, a safra brasileira de grãos ficará em 135,6 milhões de toneladas; queda de 6,42%. Por outro lado, para o IBGE - também no levantamento de janeiro - o saldo no ano atingiria 137,3 milhões de toneladas, logo, 5,9% menor que a do ano passado (145,8 milhões de toneladas). Nesse mês de fevereiro, tanto o IBGE como a Conab revisaram as estimativas para a safra 2009 de grãos. Ambos esperam agora uma produção de 134,7 milhões de toneladas, o que representa, para o IBGE, uma queda de 7,6% ante 2008, e, para a Conab, uma redução de 6,5%. No que tange à evolução do Produto Interno Bruto (PIB) do agronegócio, a situação não é diferente. Para exemplificar, em 2003 a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) projetava a participação do agronegócio no PIB em 31%; já o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) estimava em 33% e, para esse mesmo ano, o Cepea indicava 28,79% de participação do setor. Saltando para 2007, a CNA, por meio de sua superintendência técnica, divulgou que o agronegócio representava 23,07% da economia brasileira, ante 22,4% em 2006. O Cepea, no mesmo ano, estimava participação de 25,11% e de 24,3% em 2006 - e isso considerando que Cepea e CNA são parceiros na divulgação dos indicadores agropecuários. Mas é justo considerar que em alguns casos as diferenças metodológicas são as únicas responsáveis pelas discrepâncias na estimativa do PIB do agronegócio. Por exemplo, para o Cepea, o cálculo do PIB é fundamentado na renda real dos setores envolvidos e na evolução do volume dos segmentos agropecuários medidos pelas previsões de safras - a maioria das vezes dissonantes - realizadas pelo IBGE e pela Conab. O balanço entre as evoluções dos preços reais e das quantidades físicas produzidas dita a intensidade de variação do PIB calculado. Em contrapartida, o Mapa geralmente reporta os dados divulgados pelo IBGE, que utiliza o critério de preços constantes entre dois anos consecutivos para estimar o PIB. Esse critério, por sua vez, expressa o comportamento do volume produzido na economia como um todo. Entrementes, nesse contexto turbulento de previsões, a fim de ampliar a matriz de pesos das atividades econômicas e congraçar as adversidades, o IBGE, em 2007, alterou a metodologia de cálculo do PIB brasileiro, reestimando também todos os valores de anos anteriores. Por conseguinte, a participação do PIB do agronegócio, bem como de todos os seus segmentos no PIB nacional, foi completamente alterada. O Cepea, seguindo na mesma direção, também ajustou o método de cálculo do PIB do agronegócio e de seus componentes. As mudanças ocorreram relativamente nos períodos considerados para o cômputo das variações de preços dos vários subagregados do PIB. Em vista disso, para afinar o discurso e aquietar a alma de Gottfried Achenwall - considerado o criador do vocábulo "estatística" -, atualmente Cepea e CNA divulgam unissonamente uma participação em torno de 24% para o agronegócio no PIB nacional; assim como IBGE e Conab, pacificados, apregoam a projeção de 134,7 milhões de toneladas para a safra 2009 de grãos. Atualmente, estando essas quatro entidades harmonizadas em suas inferências, poderemos, a partir de agora, parafrasear os reis católicos Fernando II de Aragão e Isabel de Castela, considerando que, em matéria de PIB do agronegócio e de projeções para a safra, "tanto monta, monta tanto"? *Alexandre de Castro é pesquisador da Embrapa Informática Agropecuária. E-mail: acastro@cnptia.embrapa.br

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