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O capitalismo analisa as próprias falhas

Hoje, até defensores da cartilha liberal - como o FMI - já começam a criticar a dificuldade que o sistema enfrenta para promover a inclusão social

Por DER SPIEGEL
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Um novo jargão está circulando em centros de convenção e auditórios mundiais. Foi ouvido no Fórum Econômico Mundial em Davos e na reunião anual do Fundo Monetário Internacional (FMI). O termo é "inclusão" e se refere a uma característica que as nações industrializadas ocidentais parecem ter perdido: a capacidade de permitir que um maior número de pessoas possível se beneficie dos avanços econômicos. O termo está sendo usando até em reuniões de caráter exclusivo, como em Londres, no mês de maio. Cerca de 250 indivíduos extremamente ricos, do fundador do Google, Eric Schmidt, ao presidente da Unilever, Paul Polman, reuniram-se num castelo às margens do rio Tâmisa para lamentar como o capitalismo atual oprimiu as classes mais baixas. O ex-presidente americano Bill Clinton considerou lamentável a "distribuição desigual", e a diretora administrativa do FMI, Christine Lagarde, criticou os inúmeros escândalos financeiros. Não é preciso participar da conferência de Londres sobre "capitalismo inclusivo" para perceber que os países industrializados têm um problema. Quando o Muro de Berlim caiu, há 25 anos, a ordem social e econômica liberal do Ocidente parecia rumo a um caminho sem volta. O comunismo havia fracassado, políticos falavam da desregulação de mercados e o cientista político americano Francis Fukuyama invocava o "fim da história". Hoje, ninguém mais fala dos benefícios da circulação desenfreada do capital. A questão hoje é a "estagnação secular", como colocou o ex-secretário do Tesouro americano Larry Summers. A economia americana não está crescendo nem à metade do que crescia nos anos 90. O Japão se tornou o doente. E a Europa patina numa recessão. O capitalismo do século 21 é de incertezas. Bastam alguns números comerciais americanos decepcionantes para os mercados repentinamente despencarem em todo o mundo. Políticos e líderes empresariais agora pedem novas iniciativas de crescimento, mas os governos não sabem o que fazer. Os bilhões gastos em pacotes de estímulo após a crise financeira criaram montanhas de dívidas. O mesmo ocorre nos bancos centrais, que empurraram as taxas de juro para perto de zero e gastaram centenas de bilhões para comprar títulos do governo. Mas o dinheiro não chegou à economia real.'Crash'. Seja no Japão, na Europa ou nos Estados Unidos as empresas quase não investem em novas fábricas. Em vez disso, os preços estão explodindo nos mercados globais de ações, imóveis e bônus, um "boom" perigoso movido por dinheiro barato não por um crescimento sustentável. Especialistas já identificaram "sinais preocupantes" de um "crash" iminente. Enquanto os salários estão estagnados e a poupança não cresce, as classes mais ricas estão lucrando. Segundo o mais recente Relatório Mundial de Riquezas, do Boston Consulting Group (BCG), a riqueza privada mundial cresceu 15% em 2013, quase o dobro da expansão do ano anterior.Disfunção. Os dados expõem uma perigosa disfunção do capitalismo. Bancos e empresas de investimento costumavam garantir que as poupanças dos cidadãos fossem transformadas em crescimento e empregos. Essas entidades redirecionam o dinheiro ao topo da pirâmide, pressionando a classe média, explica Larry Katz, economista da Universidade de Harvard. Não é de espantar que o sistema esteja sendo questionado. Segundo o Allensbach Institute, só um em cada cinco alemães acredita em "justiça" na economia do país. Quase 90% sentem que a distância entre ricos e pobres está "ficando cada vez maior". Não surpreende que esta situação reforce os argumentos de economistas de esquerda, como Thomas Piketty, autor de O Capital do Século 21. Mesmo liberais começaram a usar termos como a "sociedade do 1%". O principal comentarista do jornal britânico Financial Times, Martin Wolf, já chamou a liberdade dos mercados de capitais de "pacto com o diabo". / TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIK

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