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O cara

Por Suely Caldas
Atualização:

Depois de se referir ao presidente brasileiro dizendo "este é o cara", o presidente dos EUA, Barack Obama, voltou a elogiá-lo na terça-feira, desta vez saudando o "pragmatismo" de um Lula que causou espanto ao mundo - observou o norte-americano - ao transformar-se de "um esquerdista radical" num governante responsável, que realizou reformas de mercado e levou o Brasil à prosperidade. Obama estendeu o elogio à presidente do Chile, Michelle Bachelet, nomeando os dois como os líderes mais importantes da América Latina. De fato o mundo não acreditava que Lula fosse capaz de dar guinada tão forte. Tanto que em 2002 o "pânico Lula" levou o dólar a quase R$ 4 (hoje metade disso) e o risco país a 3 mil pontos (atualmente tem oscilado entre 360 e 400 pontos). Afinal, o sindicalista e dirigente do PT passou 20 anos pregando o calote na dívida, prometia "mudar tudo que está aí" e, pior, sem definir o que faria. Ao tomar posse, arrochou a economia para ganhar credibilidade e manteve intacta a política econômica "neoliberal" de FHC, que tanto combateu. E Lula fez isso obrigado? Contrariado? Renunciando aos seus princípios e convicções políticas? De forma alguma. Obama tem razão em defini-lo como pragmático. Engessamento ideológico tem o PT, não Lula. Rapidinho ele mudou. Pragmatismo e oportunismo andam colados em sua trajetória política. Na oposição, Lula rotulava FHC de "neoliberal" porque sua meta era ganhar eleições. No governo, assimilou a política "neoliberal" de FHC e ganhou o PT como opositor. Mas por pouco tempo: aumentou o tamanho do Estado, distribuiu cargos, saiu-se muito bem, e o PT, muito mal, nos casos de corrupção do governo e submeteu os petistas à condição de dependentes e reféns - não sobrevivem sem ele. Hoje Lula colhe os frutos de ter feito a escolha acertada e não seguir as maluquices inventadas pelo PT. Nesta crise econômica, os países latino-americanos menos afetados são o Brasil e o Chile. Os dois têm identidades e diferenças. Em comum, a abertura econômica, que no Chile é mais antiga e acentuada, e uma economia de livre mercado que avançou com as reformas macroeconômicas (política, tributária, do Estado, Previdência, trabalhista, sindical), embora ainda tímidas e insuficientes no Brasil. As diferenças: os indicadores fiscais no Chile são mais confortáveis - a dívida pública é nula, enquanto no Brasil ela oscila entre 37% e 39% do PIB; o Chile tem superávit fiscal e o Brasil, déficit; o Chile cresce continuamente há quase 20 anos e o Brasil, há 5 anos; em compensação, em 2008 o PIB brasileiro expandiu 5,1% e o chileno, só 3,2%. Ao dirigir-se a Michelle Bachelet, na terça-feira, Barack Obama elogiou o Chile por ter usado os superávits comercial e fiscal para criar um fundo anticíclico. "É uma boa lição para os EUA. Quando tínhamos superávit, o desperdiçamos", disse. Nisso o governo Lula se identifica com os EUA: nos últimos cinco anos de prosperidade, Lula aumentou os gastos públicos mais do que podia e desperdiçou a chance de reduzir a dívida pública e fortalecer os fundamentos da economia. De qualquer forma, pragmático, oportunista ou demagogo, o fato é que Lula fugiu do caminho que seguem Hugo Chávez, Evo Morales e Rafael Correa. Disse não ao preconceito ideológico e ao nacionalismo irracional, e sim ao capital privado de investimento, seja nacional ou estrangeiro. É verdade que Lula reconheceu tarde a eficácia da privatização e destruiu boa parte do arcabouço institucional do Estado, politizando cargos, desacreditando a gestão pública e abrindo as portas à corrupção. Com isso prejudicou o potencial de investimentos, que fazem falta neste momento de crise. Mas muito pior seria se levasse o País ao abismo da estupidez ideológica que predomina na Venezuela, na Bolívia e no Equador. Décadas de autoritarismo, populismo político, incompetência e atraso já deveriam ter ensinado às novas lideranças da América Latina a abandonarem o caminho do desinvestimento, da fuga de capitais e do retrocesso econômico, que só levam ao crescimento da pobreza. Até setembro de 2008 nadando em dinheiro com o petróleo a US$ 150/barril, a Venezuela hoje padece os efeitos da crise e da queda do petróleo a US$ 60/barril. Hugo Chávez não aplicou em investimentos, não industrializou o país, não gerou novos empregos e hoje amarga problemas decorrentes da fuga de capitais, a disparada da inflação e dos preços de alimentos e o crescimento do desemprego e da pobreza. *Suely Caldas, jornalista, é professora de Comunicação da PUC-Rio (sucaldas@terra.com.br)

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