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O castelo de cartas da chilena Polar

Fraude praticada por varejista põe sistema financeiro em xeque

Por João Paulo Charleaux
Atualização:

SANTIAGO DO CHILEESPECIAL PARA O ESTADOUma das máximas do consumismo - de que basta ter um cartão de crédito na mão e um sonho de consumo na cabeça - mostrou nas duas últimas semanas quanto estrago pode causar. Num dos maiores escândalos financeiros da história do Chile, uma única rede de lojas de departamento conseguiu lesar 12% das famílias do país, colocando em cheque auditorias internacionais, ameaçando os pilares do sistema privado de previdência e trincando a vitrine liberal do primeiro presidente de direita a assumir democraticamente o governo do país em 50 anos.A estratégia da Polar, uma das maiores lojas de departamento do Chile, consistia em, primeiro, dar crédito fácil a quem não podia pagar. Em seguida, as dívidas de clientes inadimplentes eram renegociadas ou repactuadas unilateralmente, várias vezes, com inúmeros encargos. Nos casos mais graves, a loja multiplicava essas dívidas em mais de 30 vezes, sem o consentimento do cliente. Em menos de um ano, 418.826 chilenos foram lesados. Mas o estrago pode ser muito maior - além das vítimas do crediário, milhares de donos de ações da Polar também acabaram pagando a conta, entre eles, fundos privados de pensão.A gigantesca fraude revelou até onde pode chegar um mercado aberto e parcamente regulado, no qual lojas de departamento e até farmácias emitem cartões de crédito sem regulação do Estado. A fraude da Polar está representando um duro golpe para um país orgulhoso de suas reformas liberais, cujo PIB cresceu 5,2% no ano passado, mesmo depois de um terremoto seguido de tsunami. "No Chile, as lojas já não vivem mais de vender mercadorias. Vivem de vender crédito. Nenhum banco normal liberaria crédito para esses clientes. E o governo não regula nada disso", disse na semana passada o advogado Daniel Stingo, uma espécie de herói popular, que defende os consumidores na principal emissora de TV do país, a TVN.No Chile, esses varejistas não são considerados instituições bancárias e, por isso, Ministério da Fazenda e Banco Central fingem que não os veem. O problema é que gigantes chilenas, como Polar, Paris, Falabella e Ripley, vendem de papel higiênico a cruzeiros, passando por seguros de vida; não apenas no Chile, mas também no Peru, Colômbia e Argentina. Fundos de pensão. Os tentáculos das grandes redes que fornecem crédito sem ser banco também alcançam os fundos de pensão. No Chile, desde a década de 80, quando o sistema público de previdência foi abolido, quase todas as aposentadorias são privadas. Na semana passada, a Associação dos Fundos de Pensão do Chile (AFP) declarou que processará civil e criminalmente os diretores da Polar. Do dia para a noite, a AFP teve prejuízo de mais de US$ 300 milhões provocado pela desvalorização dos papéis da empresa. Investidores menores também começaram a se organizar para exigir indenizações da Polar, que ameaça pedir falência e pôr na rua mais de 9 mil trabalhadores. Na terça-feira, 11 diretores foram demitidos.Com a descoberta tardia da fraude, a queda nas ações da Polar foi uma questão de tempo. Em pânico, a Bolsa de Santiago suspendeu as vendas dos papéis por uma semana. Os acionistas eram iludidos por um truque da empresa, que apresentava milhares de "dívidas morosas" (que ela não tem expectativa de receber) como "dívidas vigentes". Isso era possível graças à maquiagem das renegociações. Com isso, a Polar parecia mais saudável do que realmente era."Teremos de revisar nossa legislação. Entretanto, é preciso dizer que o que houve aqui foi um delito, uma fraude", disse o ministro da Fazenda do Chile, Felipe Larraín, na terça-feira, a uma rádio local. "Maliciosamente, a Polar escondeu informação do governo e esse é um crime punido com prisão", advertiu.Na oposição, as declarações do ministro foram vistas como reação tardia. "Estavam metendo a mão no bolso de meio milhão de famílias e a autoridade econômica não tinha ideia do que acontecia", atacou o senador do Partido Socialista Camilo Escalona. "Penso que o ministro deveria renunciar. Neste caso, há um mínimo de responsabilidade política que a autoridade econômica terá de assumir."Enquanto a guerra política se desenrola, alguns poucos clientes afetados começaram a ir às lojas da empresa para renegociar as dívidas. Na terça-feira, primeiro dia de atendimento desde o início da crise, 11 mil pessoas deveriam ser atendidas, mas poucos apareceram. A maioria, ao que parece, preferiu o caminho da Justiça.

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