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Economista e sócio da MB Associados

Opinião|O cenário do mercado financeiro está adequado?

Atualização:

Já escrevi mais de uma vez que 2014 termina com deplorável situação econômica. Embora não haja nenhuma ruptura ou catástrofe na lista, é totalmente seguro que temos uma rara combinação de grandes problemas nas áreas macro e micro econômicas. Em síntese, na área macroeconômica observamos estagnação total no crescimento econômico, forte queda no investimento produtivo, a inflação perigosamente resistente e no topo da meta, uma forte piora no déficit em conta corrente e desarranjo bastante sério nas contas fiscais, que só depois da eleição está sendo mostrado pelo governo. Ainda não se sabe o tamanho do buraco para este ano, mas não é fora de propósito pensarmos na existência de um déficit primário, sem truques, da ordem de 0,5%, e um déficit nominal da ordem de 6%, ambos em relação ao Produto Interno Bruto (PIB), para este ano. Na área microeconômica, a situação não é menos lamentável: crise de supercapacidade no setor automotivo, desarranjo total no setor de energia, paralisia crescente na construção civil e claros indícios de enfraquecimento dos setores de bens de consumo não duráveis. A regulação em todas essas áreas tem como característica muita ambição, contradições e baixa qualidade. Basta atentar para o desastre crescente do setor elétrico, a partir do fim de 2012, quando se decidiu reduzir a força as tarifas de energia elétrica. A continuidade dessa política, estridentemente prometida na campanha eleitoral, seria muito ruim e totalmente insustentável ao longo dos próximos anos. Um suicídio mesmo. Por essa razão, apenas três dias depois da eleição, a política começou a mudar e não parou até hoje. A presidente fez uma escolha dura, por absoluta falta de alternativas, ao anunciar a nova equipe econômica. Essa é de boa qualidade e, como tal, prometeu começar por um ajuste fiscal relevante: será perseguido um superávit primário de 1,2% do PIB em 2015 e de 2,0% nos dois anos seguintes. Ousadia. É preciso que se diga que o ajuste do primeiro ano é muito ousado, como me colocou Affonso Celso Pastore. De fato, se o déficit primário deste ano for mesmo de 0,5%, a meta representa uma elevação de 1,9% do PIB em 2015. Ora, nos períodos recentes nos quais de fato se fez um grande esforço fiscal, a melhora obtida foi inferior a 1,0% do PIB. A despeito disso, o mercado financeiro se tornou extremamente otimista. Em sua visão, após dois anos duros, o Brasil voltaria a crescer em 2017 e o risco do rebaixamento ficaria afastado. Embora desejável, essa trajetória merece alguma reflexão e certo cuidado. Em primeiro lugar, a economia mundial está piorando e não vai nos ajudar, ao contrário. Fiscal. Ademais, a realidade fiscal tem grande chance de ser pior do que aquela que conhecemos, não apenas porque algumas votações no Congresso já afetaram as finanças públicas, como por exemplo, a revisão retroativa da dívida da Prefeitura de São Paulo e de alguns Estados, e a nova transferência de R$ 30 bilhões para o BNDES. Além disso, certos benefícios fiscais, como a eventual correção da Tabela do Imposto de Renda (não entro no mérito da decisão em si) vão reduzir a arrecadação. Também está em curso um evidente reconhecimento nas contas de coisas que estavam antes escondidas, como as chamadas pedaladas ou atrasos de transferências do Tesouro para cobrir débitos, já antecipados por bancos oficiais. Existem ainda dispêndios que o Tesouro terá de fazer, agora e no ano que vem, e que não estão nas contas. Por exemplo, as distribuidoras de energia têm um furo de caixa, neste fim de ano (R$ 3 bilhões), que terá de ser necessariamente coberto. Ainda no setor elétrico, os valores de indenização por antecipação do vencimento das concessões e outros, podem variar de R$ 12 bilhões a mais de R$ 30 bilhões (devo essas informações a Mário Veiga, da PSR). O mesmo ocorre em outras áreas. Outra consideração não pode deixar de ser feita: a crise do Petrolão paralisou e está piorando a situação da Petrobrás, o que se espalha para fornecedores de todos os tipos, todos enfrentando dificuldades financeiras, creditícias e operacionais. Da mesma forma, o setor elétrico e de obras de infraestrutura, em geral, serão objeto de investigações, bem como, os fundos de pensão estatais. O resultado certo disso é um amplo atraso em licitações e obras, mantendo a pressão negativa sobre os investimentos. Dessa forma, a política fiscal e monetária contracionista e as grandes dificuldades setoriais manterão os empresários do lado real numa posição francamente cautelosa. O mesmo ocorrerá com as agências de classificação de risco. Todos, ou quase todos, aguardarão alguns meses para testar a consistência da política econômica. Ademais, o enfraquecimento certo do mercado de trabalho, já totalmente visível, vai reduzir a demanda de setores ainda defendidos da estagnação econômica. Existem seguras indicações de que as vendas de alimentos no varejo caíram de forma expressiva de outubro para cá. Assim, baixo investimento e baixíssimo crescimento para 2015 já estão contratados.É bastante provável que o governo viva contradições internas de porte considerável, com riscos de paralisia e mudanças de rumo ao longo de seu curso.Exceção. O único setor importante bem preparado para o próximo ano é o do agronegócio. É claro que ressalvo aqui adversidades climáticas, muito difíceis de serem previstas. Parece-me bastante provável que o governo reinstitua a Cide, contribuição ambiental totalmente desejável a incidir sobre a gasolina. Ao mesmo tempo, existe uma expectativa universal, com a qual concordo, que o real vai continuar se desvalorizando, por razões internas e externas, podendo terminar o próximo ano algo acima de R$ 2,80.Neste caso, o setor de cana/etanol e açúcar teria o primeiro e importante estímulo em muitos anos. Ao mesmo tempo, grãos, carnes, algodão e outros produtos teriam suas receitas elevadas pelo câmbio, enquanto que apenas parte de seus custos sofreriam as mesmas correções. Ademais, certos insumos importados estão tendo queda dos preços em dólar, por conta do petróleo. Por exemplo, a cotação da ureia, no golfo americano, caiu 15% nos dois últimos meses, para US$ 310 a tonelada.

Opinião por JOSÉ ROBERTO MENDONÇA DE BARROS
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