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O culpado é o câmbio?

Por Roberto Fendt
Atualização:

A economia não cresce e a culpa é do câmbio, já se disse. O País se desindustrializa e o culpado é o câmbio. O déficit em conta corrente do balanço de pagamentos caminha para US$ 90 bilhões e o investimento estrangeiro direto cobrirá somente US$ 60 bilhões este ano; o culpado, não poderia deixar de ser, é o câmbio. Quando a inflação acelerar no ano que vem, o câmbio será inculpado. Será isso mesmo? Se o câmbio é tão poderoso para fazer todas essas maldades, não seria também poderoso para criar bondades, como contribuir para a retomada do crescimento e para pelo menos reduzir o déficit em conta corrente para patamares mais facilmente financiáveis? Vamos aos fatos. Quanto ao crescimento, toda a evidência empírica disponível mostra que o principal determinante do progresso econômico das nações é o aumento da produtividade total dos fatores de produção. O restante é explicado por uma miríade de outros determinantes. Aqui, a produtividade contribuiu em média, nos últimos 40 anos, com somente 0,4% para o crescimento do PIB. Países como o Brasil e muitos de seus vizinhos na América Latina adotaram nas décadas posteriores à 2.ª Guerra uma estratégia de crescimento introvertida por detrás de elevadas barreiras às importações. Essa estratégia se esgotou há muito, embora continuemos insistindo em seus méritos. Diferentemente dos países latino-americanos, a China optou por uma estratégia de abertura de seu mercado após as reformas, convicta de que só a competição no mercado internacional forçaria a eficiência produtiva. A mesma estratégia havia sido posta em prática anteriormente pela Coreia, com os resultados positivos conhecidos. Continuamos a ser uma economia muito fechada. Nosso grau de abertura - importações mais exportações como porcentagem do PIB - é de pouco mais de 21%. Nossos demais parceiros do Brics têm um grau de abertura de 57% e mesmo os demais países da América Latina são mais abertos que nós. Ao contrário na maioria das nações, temos escassos acordos comerciais internacionais. Afora o Mercosul, temos somente um acordo vigente fora de nosso continente, com Israel. Acordos com o Egito e a Autoridade Palestina dependem ainda de ratificação. São países amigos, porém de escassa importância econômica, como a União Europeia e os Estados Unidos. O que tem o câmbio a ver com tudo isso? Por si só, variações na taxa de câmbio afetam pouco o PIB, dado o baixo grau de abertura da economia brasileira. O balanço de pagamentos em conta corrente é afetado pelo câmbio, sem dúvida, mas também e principalmente por um grande número de outras variáveis. Algumas delas podem estar sob o controle das autoridades econômicas, como o corte do excesso de gastos do governo que transborda em parte para o balanço de pagamentos e em parte para a nossa persistente inflação. Outras variáveis estão totalmente fora do controle de qualquer ação de política econômica de nossas autoridades, como a melhoria dos termos de troca - relação entre os preços de exportação e de importação - que se seguiu à entrada da China no mercado internacional de commodities e ao seu período de mais espetacular crescimento. Pretende toda esta argumentação dizer que o câmbio é irrelevante? Longe disso. Mas é um equívoco atribuir à sua valorização todos os atuais males econômicos do País. Já tivemos no passado períodos de crescimento com forte desvalorização da taxa de câmbio e outros em que esta estava valorizada - se é que alguém pode definir com clareza qual é o referencial para dizer se o câmbio está valorizado ou desvalorizado. Nosso balanço de pagamentos melhora ou piora dependendo do estado da economia mundial, do maior ou menor desequilíbrio de nossas contas fiscais e, é claro, também do câmbio. Se é para apontar um culpado por nossa cadente taxa de crescimento nos últimos quatro anos, o melhor candidato é a chamada "nova política econômica", introduzida em 2011 e que, espera-se, venha a ser revertida a partir do próximo ano.* É diretor executivo do Centro Brasileiro de Relações Internacionais

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