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O culpado por tudo

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Por Celso Ming
Atualização:

Uma velha história conta que numa aldeia vivia um camponês de que ninguém gostava e era sempre culpado por tudo quanto de ruim lá acontecia: galinhas que sumiam, cães que apareciam mortos, cavalos que amanheciam coxeando. O camponês nunca desmentiu as acusações porque era surdo-mudo. Chegaram a culpá-lo até pela falta de chuvas. Mas um dia ele morreu, as mesmas coisas continuaram a ocorrer e na aldeia tiveram de eleger um novo culpado. Pois é, os juros altos foram sempre apontados por muita coisa ruim que acontece na economia brasileira: pelo baixo crescimento econômico, porque juros altos inibem o investimento; pelo tamanho excessivo do mercado financeiro, porque os rendeiros ditam as regras do jogo; pela forte valorização do real (queda do dólar), porque o capital especulativo vem para o País a fim de tirar proveito dos juros escorchantes aqui praticados; pelos altos custos do setor produtivo, porque o banco sempre leva a maior parte do resultado; pela falta de competitividade do produto brasileiro, porque os concorrentes do exterior obtêm financiamentos a juros bem mais camaradas; e até pela falta de dinamismo do empresário brasileiro, porque o rendimento financeiro obtido na moleza é tão generoso que deixa de valer a pena administrar um negócio que só traz dor de cabeça e baixo retorno operacional. Até mesmo pelo desequilíbrio das contas públicas os juros foram culpados, na medida em que aumentam as despesas com o serviço da dívida. Agora que os juros estão minguando, vai ser preciso buscar outros fatores que têm produzido nossas mazelas ou impedido que sejam superadas. Aliás, os juros altos nunca foram fator impeditivo do crescimento econômico. Podem ter sido uma bota apertada, mas nunca impossibilitaram o caminhante de andar. É bem provável que, em vez de provocar desvalorização do real, os juros cada vez mais baixos continuem promovendo a queda do dólar no câmbio interno, porque, na análise do investidor estrangeiro, são mais um sinal de que os fundamentos da economia brasileira estão sadios e recomendam mais investimentos no Brasil. Portanto, deverão trazer mais dólares, que, por sua vez, vão seguir empurrando o câmbio para baixo. Juros substancialmente mais baixos do que em meados de 2005 (quando eram de 19% ao ano) já mostram o lixo e todo tipo de tralha que há no fundo do açude agora bem mais vazio. E dessa tralha fazem parte: as condições escorchantes do crédito bancário; as enormes taxas cobradas pelos administradores dos fundos de renda fixa e dos planos de previdência aberta (PGBLs e VGBLs); as expectativas irrealistas dos benefícios futuros dos fundos de pensão; a inviabilidade técnica de indústrias e empresas de comércio que vivem mais do retorno financeiro do que do resultado operacional. Inúmeras siglas também vão perdendo sentido, como a TJLP, a TR e as dos indexadores (correção monetária) que ainda subsistem nos contratos. E as aplicações financeiras terão de se ajustar às novas condições. Parece inevitável, por exemplo, a valorização dos ativos de renda variável (ações e congêneres). Enfim, não basta que a aldeia eleja novo culpado. É preciso limpar o fundo do açude.

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