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O D+1

No setor de energia, o mundo pós-pandemia deve acelerar a transição dos combustíveis fósseis para os limpos e renováveis

Por Adriano Pires
Atualização:

Os tempos de pandemia e de isolamento social vivemos cenas e momentos que vamos levar na memória para o resto de nossa vida. Poderíamos fazer um paralelo com outros dois grandes eventos pelos quais passou a humanidade: a 1.ª e a 2.ª Guerras Mundiais. Mas existem diferenças. A 1.ª Guerra atingiu somente o continente europeu; a 2.ª, a Europa e a Ásia (impossível esquecer as bombas atômicas jogadas no Japão). A covid-19 é universal, o inimigo é invisível e vem causando milhares de vítimas, atingindo todas as classes sociais.

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Eu estou otimista com o D+1. Otimista porque nestes momentos entra em ação o conceito de destruição criativa, segundo o qual a inovação tecnológica faz, de maneira simultânea, desaparecer e surgir novas atividades econômicas. Depois da peste negra veio o Renascentismo. É bom lembrar os chamados Trinta Anos Gloriosos (1945 a 1975) que se seguiram ao fim da 2.ª Guerra Mundial e trouxeram um forte crescimento econômico e o pleno-emprego na maioria dos países desenvolvidos – notadamente os países-membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). O crescimento médio global foi de 4,8% ao ano e a inflação, de 3,9%. Existe um debate entre os economistas sobre isso. Os keynesianos explicam esse ciclo virtuoso argumentando que o boom foi provocado pela adoção de políticas econômicas baseadas no gasto público. Já os economistas ligados a uma escola mais liberal alegam que o boom foi determinado por reformas de livre-mercado e da desregulamentação ocorrida nesse período, em particular na economia norte-americana.

Do ponto de vista da energia, aquele período, bem como todo o século 20, foi inteiramente dominado pelo petróleo. A melhor forma de entender os acontecimentos políticos e econômicos ocorridos no século 20 é por meio da história do petróleo. A principal indústria era a do automóvel, pelo fato de termos petróleo abundante e barato. As maiores e principais empresas eram as de petróleo, as chamadas Sete Irmãs.

O mundo pós-pandemia deverá trazer uma nova tendência no mundo dos investimentos. Essa nova tendência vai ser na direção de privilegiar investimentos que gerem melhor qualidade de vida. Desta vez, não só para os países desenvolvidos, mas também para os que têm hoje um grande déficit social. Isso tende a ocorrer porque uma das características da pandemia é que, além de ser universal, atingiu em cheio as principais e mais ricas cidades do mundo. Assim, parece-nos que daqui para a frente as lideranças políticas e empresariais passarão a ser mais solidárias, sob pena de termos vírus mais fortes que o da covid-19 ou, pior, os efeitos da mudança climática.

No setor de energia, visualizamos uma aceleração da transição energética. Essa transição das energias fósseis, em particular o carvão e o petróleo, para as mais limpas e renováveis, que já vinha ocorrendo, tende a ser antecipada. E começamos a ver indicações concretas disso. Diversos fundos de investimentos já declaram que estão revendo seus investimentos. Por exemplo, o fundo soberano da Noruega, que administra mais de US$ 1 trilhão, decidiu excluir da sua carteira empresas cujos investimentos provocam danos ao meio ambiente e não respeitam os direitos humanos, e o mesmo caminho está sendo seguido pelo BlackRock, segundo declarações do seu chairman e CEO, Larry Fink.

A transição energética chegou às telas e é o foco da 5.ª temporada do seriado americano Billions, que virou mania em todo o mundo. Nessa temporada, o tema central será a transição energética e, neste contexto, o futuro do capitalismo. Das discussões entre dois gestores, Axelrod e Prince, surge o questionamento de que o momento exige uma discussão sobre um novo capitalismo. Então, nasce a ideia de criar um fundo que equilibre o lucro com o impacto social e ambiental positivo, cobrando das empresas petrolíferas um caminho para a transição energética. O fato é que Billions vai provocar ainda mais debates sobre em qual direção caminhará o mundo pós-coronavírus e se teremos um novo capitalismo, mais solidário e respeitando os limites da natureza.

Parece que chegou a hora de contradizer o filósofo Descartes (Discurso sobre o Método, 6.ª parte) quando afirmava que poderíamos nos tornar senhores e possuidores da natureza.

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*DIRETOR DO CENTRO BRASILEIRO DE INFRAESTRUTURA (CBIE)

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