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Jornalista, escritor e palestrante. Escreve às quintas

Opinião|O decano Andy Grove

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Poucos nomes são tão entranhados na história do Vale do Silício quanto o de Andy Grove, o ex-CEO da Intel que morreu domingo. Tinha 79 anos e sofria de Parkinson. Levou uma vida extraordinária. Sem Grove, é bem possível que os rumos tomados pela tecnologia tivessem sido bem distintos. Numa indústria em que criadores costumam ser as estrelas, Grove era o administrador que serviu de decano. O velho sábio que todos consultavam: Steve Jobs, Bill Gates, Mark Zuckerberg.

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Mas, antes de ser Andrew Steven Grove, ele foi Andras István Grof, um menino judeu nascido em Budapeste no ano de 1936. O pai vendia leite e queijos. A mãe era contadora do negócio da família. Andras tinha 6 anos quando o pai foi preso pelos nazistas. Ele e a mãe adotaram um nome cristão e passaram a Guerra em pânico de serem descobertos. Responsabilidade para um menino assim pequeno, tendo de dizer sempre certo um nome que não era o seu.

O pai sobreviveu aos campos, mas o negócio, não. Foi encampado pelo regime comunista. E quando a Hungria se levantou, em 1956, para ser esmagada na sequência pelos russos, o rapaz Andras achou por bem deixar o país. Tinha 20 anos e não falava uma palavra de inglês. Mas mudou-se para Nova York, matriculou-se no City College e foi ser engenheiro. Com muita discrição, providenciou para que seu nome fosse mudado mais ou menos na época em que se casou com uma moça austríaca – Eva Kastan. E porque não gostava do clima nova-iorquino, mudaram-se ambos para a Califórnia onde ele fez mestrado. Na Universidade de Berkeley, chegou a publicar artigos em revistas científicas de ponta. Poderia ter sido acadêmico. Mas foi contratado por Gordon Moore, o lendário pai dos semicondutores.

Trabalhavam na Fairchild Semiconductor, a primeira empresa do Vale financiada com o tipo de capital de risco que faz nascer, hoje, boa parte das startups. A Fairchild foi a primeira startup. A segunda foi a Intel, fundada por Moore e na qual, em junho de 1968, Grove foi o empregado de número um.

Foi neste período que Andy Grove formou algumas de suas intuições mais importantes. Num negócio que dependia de criar tecnologias, sua principal missão seria imaginar o futuro. Porque os chips de sua empresa só chegariam dois anos depois de criados ao mercado. Além disso, a empresa tinha como pior inimigo seu próprio sucesso. A ilusão de que estar bem hoje garante o amanhã. Quando, anos depois, a tese da destruição criativa ganhou fama no mundo empresarial, Grove viu ali a confirmação de suas ideias. Seu lema, que virou título de livro, era “só os paranoicos sobrevivem”.

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Enfrentou duas crises sérias. Uma, no início dos anos 1980, foi a entrada dos japoneses no ramo dos chips de memória. Virou o transatlântico como se fosse veleiro, investindo na criação de processadores de computador. Daí convenceu a IBM a comprá-los. A CPU Intel 8086 foi parar no primeiro PC e, daí, o resto é história. Intel ainda roda boa parte destas máquinas. A outra crise foi um bug no Pentium. Grove não percebeu o quanto era grave, fez um estrago na imagem e provocou um recall de muitos bilhões. Trabalhava num cubículo como qualquer gerente, e todos tinham acesso a ele: podia-se até dizer para o CEO que estava errado. Aceitava qualquer bom argumento. Mas era o tipo de chefe que mantinha pressão constante. Só os paranoicos, pois é. A Intel deu certo por ter Grove no comando. Ele abriu a estrada.

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