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O desassossego do dólar

É fato inconteste: as variações nas cotações da divisa norte-americana estão fazendo um estrago monumental. A cada desvalorização do real, há uma pressão inflacionária maior, o que se reflete em juros altos por mais tempo e, consequentemente, num déficit nominal maior, mais dívida pública e menos crescimento.

Por Roberto Luis Troster
Atualização:

Outro ônus no Orçamento é o custo das operações do Banco Central com swaps cambiais, que este ano foi superior a R$ 100 bilhões. E o custo de carregamento das reservas internacionais, que é o diferencial entre a taxa interna e externa de juros, já excede os R$ 140 bilhões. Somando os dois, a política cambial onerou o Tesouro Nacional, apenas em 2015, no equivalente a oito vezes o que poderia ser arrecadado com a CPMF, cerca de R$ 240 bilhões.

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Agravando o quadro, a volatilidade da taxa cambial e a indefinição sobre o patamar em que se deve estabilizar a moeda norte-americana geram incertezas para empresários, que postergam decisões de investir e produzir.

Outro impacto adverso é que a desvalorização brusca do real fez com que as dívidas em dólares de empresas brasileiras aumentassem consideravelmente, fragilizando-as num momento delicado da conjuntura.

Mais um efeito é na credibilidade da equipe de governo. Como o preço do dólar é um termômetro imperfeito do desempenho da gestão econômica, a alta rápida e a exacerbação da volatilidade alimentam inseguranças sobre os rumos na condução do País. O ponto é que a cotação da divisa norte-americana é um problemão, e continuará a ser, se não mudarem a forma de gerir o câmbio. 

Ela depende de fatores externos, como as taxas de juros nos Estados Unidos e os preços das commodities, sobre os quais o governo brasileiro não tem nenhum controle; de condicionantes internos, como a evolução das contas públicas e a produtividade das empresas, no que a condução econômica do País tem alguma influência; e da política cambial brasileira, que é totalmente controlada pelo Banco Central do Brasil.

A atuação da autoridade monetária no câmbio se dá em três frentes: mantendo o volume de reservas elevado, usando operações de swaps cambiais para influenciar a cotação do dólar e conservando imaculada a legislação cambial.

O custo de carregar as reservas internacionais é astronômico: são US$ 368 bilhões, a R$ 3,8 por dólar, com um diferencial de taxas de 13%, totalizando R$ 180 bilhões por ano (R$ 140 bilhões nos primeiros nove meses). É um disparate, assim como é a organização institucional das negociações com moeda estrangeira no Brasil.

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As transações com divisas estão estruturadas em dois compartimentos comunicantes: um é o das operações à vista, o pronto, que negocia algumas centenas de milhões por dia; e o outro é o futuro, em que são transacionados dezenas de bilhões diariamente.

O primeiro é burocrático e anacrônico: a lei que regulamenta as operações cambiais no Brasil é de 1932, foi assinada por Getúlio Vargas e Osvaldo Aranha. O segundo é moderno e sofisticado, e, em razão de os valores transacionados serem tão maiores, é o maior determinante da dinâmica de preços.

Uma segunda consequência dessa fragmentação é que a ineficiência maior do mercado pronto, por causa da sua obsolescência, também aumenta a volatilidade da cotação do dólar, que fica refém dos humores do mercado financeiro internacional no curto prazo.

Correções. Três correções são necessárias para melhorar o quadro descrito até aqui, diminuindo a volatilidade cambial e reduzindo as despesas para manter o estoque de dólares elevado.

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A primeira, a mais urgente e a mais importante, é mudar o paradigma cambial. A visão neomercantilista de gestão do câmbio apavora analistas preocupados com o futuro do Brasil.

A segunda é desburocratizar o mercado à vista e permitir contas em dólar em todos os bancos brasileiros. A medida reduziria o custo de carregar reservas (o ativo do Banco Central teria como passivo contas em divisas de empresas e de cidadãos), permitiria um hedge mais barato para empresas brasileiras, alargaria o volume de transações spot e, dependendo de como for implantada, pode até aumentar o volume de divisas internacionais no País.

A criminalização do câmbio vem da época em que a escassez de divisas era crônica no Brasil, quando a economia era mais fechada e o sistema financeiro, mais rudimentar. Não é mais o caso. Os bancos brasileiros têm todas as condições de operar contas em dólar para residentes, que atualmente podem operar em instituições no exterior, mas não no próprio país.

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A liberação da posse e uso de divisas no País acabaria com um anacronismo de décadas, elevaria a demanda interna de moeda estrangeira, tiraria parte do custo das reservas do Banco Central do Brasil e diminuiria o risco sistêmico.

A terceira medida de correção é que o Banco Central estabilize o câmbio explicitamente, fixando diariamente uma banda de, digamos, 0,2% (para cima e para baixo), operando no mercado à vista. Dessa forma, conseguirá resultados mais palpáveis utilizando menos recursos.

As três mudanças sugeridas na gestão do câmbio poderiam, também, ser complementadas com outras duas na condução da política monetária, que contribuiriam para estabilizar o comportamento do dólar no Brasil ainda mais.

Uma é melhorar os mecanismos de transmissão dos juros, eliminando “jabuticabas” como os compulsórios draconianos, ativos financeiros com pouca ou nenhuma sensibilidade à Selic, o pandemônio tributário e o efeito perverso de alguns indexadores que elevam o patamar de equilíbrio das taxas de juros. A outra é a reformulação da gestão do crédito – é óbvio que a atual não funciona.

As cinco propostas acima só dependem do Poder Executivo, não necessitam de aprovação do Congresso Nacional, podem ser implantadas de imediato e contribuiriam positivamente para que a crise que assola o Brasil não vire uma catástrofe. É só querer.

*Doutor em Economia pela USP, foi economista-chefe da Febraban e professor da USP e da PUC-SP; e-mail: robertotroster@uol.com.br

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