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O dinheiro se espalha de forma inesperada

Estudo mostra que cerca de 40% dos investimentos diretos estrangeiros na verdade são fluxos 'fantasmas'

Por THE ECONOMIST
Atualização:

O dinheiro faz o mundo girar. Mas para onde está indo? Teoricamente, a resposta reside nas estatísticas publicadas por instituições como o Departamento do Tesouro americano e o Fundo Monetário Internacional (FMI), que monitoram os fluxos de dívida e de investimentos em títulos e ações através das fronteiras. Na prática, uma contabilidade corporativa criativa confunde os dados oficiais. Um conjunto de pesquisas vem tentando elucidar a confusão.

Contabilizar o comportamento corporativo seria simples se pudesse ser organizado dentro dos limites nacionais. A Petrobrás, gigante brasileira do setor petrolífero, venderia suas ações diretamente para investidores americanos ou europeus. Na realidade, muitas empresas captam recursos por meio de subsidiárias estrangeiras criadas para essa finalidade. A Petrobrás contrai dívida utilizando sua subsidiária Petrobras Global Finance BV, baseada na Holanda.

Petrobrás capta dinheiro no exterior utilizando sua subsidiária da Holanda, diz estudo Foto: Sergio Moraes/Reuters

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Esses contorcionismos financeiros embaçam a visão dos economistas no caso dos investimentos globais. Quando uma subsidiária transfere o dinheiro de um empréstimo feito para sua matriz, ele pode aparecer (enganosamente) como investimento direto. Segundo estudo feito por Jannick Damgaard, do Banco Central da Dinamarca, Thomas Elkjaer, do FMI e Niels Johannesen, da Universidade de Copenhague, cerca de 40% dos fluxos de investimentos diretos estrangeiros na verdade são fluxos “fantasmas” através de empresas de fachada.

Outro estudo, de Antonio Coppola, de Harvard, Matteo Maggiori, de Stanford, Brent Neiman, da universidade de Chicago e Jesse Schreger, de Columbia, também procura estimar quanto dessa acrobacia distorce números oficiais. Sua motivação é o aumento da parcela de investimentos transfronteiriços fluindo por paraísos fiscais entre 2007 e 2017, que vai de 40% a 55% em termos de dívidas, e de 10% a 50% no caso do capital social.

Os autores alinhavaram sete conjuntos de dados, incluindo informações sobre portfólios de investidores e a relação entre as empresas controladoras e suas subsidiárias. Tanto a dívida como os investimentos em capital canalizados por paraísos fiscais são realocados para o local em que está a matriz. O que os números oficiais contam como empréstimo americano para a Petrobras Global Finance os pesquisadores reclassificam como empréstimo para a Petrobrás no Brasil.

Isso equivale a um amplo ajuste dos dados oficiais. Em torno de 12% do que parecem holdings de títulos estrangeiros de investidores americanos na verdade são suas holdings de títulos domésticos, a maioria na forma de empréstimos corporativos agrupados.

As holdings americanas de títulos corporativos em mercados emergentes são revisadas para cima: de US$ 8 bilhões para US$ 44 bilhões no caso do Brasil, e de US$ 3 bilhões para US$ 37 bilhões no caso da China. Como esses títulos não costumam ser emitidos na moeda da matriz, os ajustes aumentam a exposição dos emergentes à dívida em moeda estrangeira de 20% para 50% em se tratando de títulos de dívida brasileira mantidos por estrangeiros e de 30% a 60% no caso dos títulos russos.

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Uma das mais drásticas revisões é das holdings americanas de títulos na China que, segundo dados oficiais, eram equivalentes a US$ 160 bilhões em 2017. Essa cifra relativamente baixa reflete o fato de o governo chinês restringir a propriedade em alguns setores considerados chave. Mas ela não reflete as reais apostas financeiras dos americanos.

Com o fim de contornar os controles, as empresas chinesas criaram “entidades de interesses variáveis” que visam a reproduzir os benefícios do levantamento de capital social sem infringir as normas. Depois dos ajustes feitos pelos autores, a parte dos americanos em títulos chineses sobe para US$ 700 bilhões.

Tudo isso mostra que regras com frequência levam somente a acrobacias financeiras. As conclusões do estudo também expõem os riscos. Alguns grandes mercados emergentes estão mais expostos à depreciação da moeda frente ao dólar do que os dados oficiais sugerem. Se ocorrer uma crise, o governo terá de revisar o emaranhado de empréstimos devidos por empresas nacionais, mas que estão fora da sua jurisdição.

Coppola e seus colegas chamam atenção para a exposição dos pequenos investidores americanos aos instrumentos financeiros chineses, que o governo da China pode decidir serem ilegais (e sem valor) ao seu arbítrio. Os economistas poderão ter dificuldade para incorporar essas conexões financeiras transfronteiriças em seus modelos. Mas sem elas, o quadro é extremamente enganoso. /TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

 © 2020 THE ECONOMIST NEWSPAPER LIMITED. DIREITOS RESERVADOS.PUBLICADO SOB LICENÇA. O TEXTO  ORIGINAL EM INGLÊS ESTÁ EM WWW.ECONOMIST.COM

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