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O economista que previu a crise continua pessimista

Por Emma Brockes e THE GUARDIAN
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O escritório em Nova York da empresa de consultoria de Nouriel Roubini é tão austero como a situação atual: uma escrivaninha, um telefone, alguns blocos de anotações e 134 páginas impressas de uma lista da Wikipédia de todos os bancos do mundo. Há três anos, Roubini foi repudiado, tachado de fatalista enganador, quando detectou uma enorme vulnerabilidade do sistema bancário dos Estados Unidos, prevendo o seu colapso. Agora, Roubini converteu-se num guru, atraindo o interesse de governos, diretores de bancos, mas e até de sites de fofocas de Nova York. Foi o The New York Times que o apelidou asperamente de Dr.Doom (Dr. Catástrofe) ao fazer um perfil do economista no ano passado, identificando-o como um herói insólito da crise. Em 2006, Roubini fez um discurso no Fundo Monetário Internacional, quando, entre outras coisas, previu que a economia americana corria o risco de um colapso imobiliário e uma profunda recessão, com consequências tenebrosas para o resto do mundo. Hoje, ele sorri timidamente e diz que outras pessoas também previram esse cenário, mas ninguém foi tão preciso como ele, nem tão grave, nem foi tão ridicularizado como ele pelo sóbrio mundo da economia. Na época, seu discurso foi recebido como uma idiossincrasia de alguém que gostava de fazer teatro. Mesmo hoje alguns dizem que ele só teve sorte. É o caso do economista Anirvan Banerjee, que, indagado pelo The New York Times sobre Roubini, respondeu que "até um relógio parado acerta a hora duas vezes por dia". Esse tipo de menção faz Roubini rapidamente esquecer a modéstia. Acusa de ingênuo o economista, que previu um crescimento quando a crise já se intensificava. "Dizer que foi apenas sorte da minha parte é um absurdo. Fiz previsões concretas que acabaram sendo certas. Exatamente." Ele cita um estudo elaborado em fevereiro do ano passado intitulado "Doze passos para o desastre financeiro", onde "cada passo foi exatamente como a crise se desenvolveu nos últimos seis meses". "Eu disse que as duas maiores corretoras do país (EUA) iriam à falência e não haveria nenhuma grande corretora independente nos próximos dois anos. Ora, bastaram sete meses para o Bear Stearns e o Lehman (Brothers) quebrarem. Não foi uma análise imprecisa da minha parte quando declarei que ocorreria uma crise financeira. Fui bem explícito. E acertei." Ele encolhe os ombros e sorri ante o peso de estar certo em meio à estupidez generalizada. As razões pelas quais Roubini foi o primeiro a prever a crise têm a ver, talvez, com seus antecedentes profissionais e pessoais, e com o que ele chama de abordagem "holística" na interpretação de dados econômicos. Roubini nasceu em Istambul, a família transferiu-se para o Irã quando ele ainda era bebê e depois para a Itália, onde cresceu. Ele fala quatro línguas fluentemente (farsi, inglês, hebreu e italiano) e trabalhou em todo o mundo, incluindo dois anos como assessor político no Tesouro dos EUA. Segundo ele, o primeiro sinal de alerta foram as similaridades que observou entre regiões em desenvolvimento e o comportamento da economia dos EUA. Para sua surpresa, viu um padrão de movimento econômico nos EUA que, em 2005, parecia muito com a "economia de mercados emergentes", com a mesma "exuberância irracional" que, na sua opinião, só poderia ser seguida de um enorme colapso. "Você examina a história, os dados políticos, os modelos, e faz comparações", diz. "Esta crise não é um evento totalmente extraordinário, uma consequência aleatória de uma distribuição aleatória. Foi um acúmulo de vulnerabilidades que aumentaram com o tempo", diz. "Tivemos dezenas de sinais distintos de que tudo acabaria num ponto de não retorno. A ocorrência de uma crise era algo totalmente óbvio para mim." É tentador fazer perguntas a Roubini como se ele fosse um oráculo. Mas seu histórico recente faz com que seja irresistível. Para começar, ele acha que 2009 deve ser apagado completamente. Do ponto de vista financeiro, diz ele, está perdido. No "Jogo do Pior Cenário", Roubini olha para o mundo avançado e considera que muitas economias estão sob o risco de seguir o caminho da Islândia e se tornarem insolventes. A maior parte é de pequenas nações da Europa Ocidental. "Se uma grande instituição (financeira) na Suíça, na Holanda, na Bélgica ou na Irlanda enfrentar um problema, o país não tem recursos suficientes para resgatá-la", avisa. A Grã-Bretanha está em um estado tão ruim quanto os Estados Unidos do ponto de vista fiscal. Segundo ele, a necessidade de as decisões na zona do euro serem aprovadas por consenso faz com que resgates de instituições financeiras sejam mais difíceis de implementar. Roubini diz que mais fundos hedge (os mais arriscados do mercado) vão quebrar, mas o efeito em cascata nem sequer começou a ser sentido. "As perdas agora estão concentradas nas hipotecas. Espere até que atinjam os imóveis comerciais, as companhias de cartão de crédito, os empréstimos automotivos, o crédito estudantil e os bônus corporativos. Há uma pilha de coisas. O sistema financeiro está insolvente. Está tecnicamente falido." *Emma Brockers é articulista

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