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O esparadrapo não foi suficiente

Recente repactuação do risco hidrológico das UHEs trouxe apenas um alívio temporário

Por Adriano Pires
Atualização:

Em 2014 e 2015 o setor elétrico brasileiro enfrentou uma grave crise estrutural, comercial e regulatória, originada na Medida Provisória (MP) 579/12. As medidas da MP, aliadas a uma crise hídrica, influenciaram o despacho das usinas hidrelétricas (UHEs), afetando significativamente o fator de ajuste, conhecido como GSF (Generation Scaling Factor), do Mecanismo de Realocação de Energia (MRE).

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Com isso, os geradores hidrelétricos se viram num pesadelo bilionário por causa do GSF, e a exposição desses agentes já é causa de disputa judicial. Até então, o risco hidrológico era inerente ao negócio, por configurar casos excepcionais de baixa pluviosidade ou erro na estratégia de contratação de energia dos geradores. Desta vez, a causa do risco hidrológico foram as políticas de expansão e operação impostas pelo governo, que alterou os modelos e as estratégias dos geradores, deixando-os involuntariamente expostos, com a imposição de riscos extraordinários, não contemplados pelas premissas licitatórias dos certames e para os quais não havia ferramentas de gestão disponíveis.

A deterioração do GSF por fatores não hidrológicos criou incertezas jurídicas e regulatórias, em razão do enorme prejuízo causado aos geradores no mercado de curto prazo. Na busca de solução, o governo viabilizou, com a Lei 13.203/15 e a Resolução Normativa da Aneel 684/15, a repactuação do risco hidrológico das usinas com os consumidores.

Por essas medidas se criou uma espécie de seguro parcial (há parcela importante de geração não contemplada nesta equação) envolto de contrapartidas a serem honradas pelos agentes em troca da repactuação do risco hidrológico. A adesão dos geradores à repactuação foi condicionada à suspensão das ações judiciais e à renúncia a qualquer alegação de direito relativo à isenção/mitigação de riscos hidrológicos relacionados ao MRE.

À época da repactuação, os geradores tentaram desassociar a Geração Fora da Ordem de Mérito (Gfom) do risco hidrológico, sem sucesso. Apesar da busca pela regulamentação do ressarcimento pelos custos da Gfom, a Portaria 41/17 do Ministério de Minas e Energia alterou a titularidade da Gfom para despacho na ordem de mérito, ampliando o despacho térmico. Assim, o deslocamento da geração hídrica se manteve sem ressarcimento e com Preço de Liquidação das Diferenças (PLD) mais elevado.

As medidas, amparadas pela melhora da hidrologia e a redução da demanda, trouxeram alívio temporário. Mas o volume de chuvas está diminuindo e a chegada do período seco pode trazer de volta o pesadelo do GSF.

A composição da nossa matriz elétrica está mudando. A fonte hídrica, que em 2000 representava 94% da geração no País, em 2016 reduziu sua participação para pouco mais de 70%, em razão do avanço das fontes eólica, solar e de biomassa. Essa não é uma constatação ruim, a tendência de fontes renováveis intermitentes é mundial e é natural que o Brasil se enquadre nisso.

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O fato é que as regras do modelo atual, concebidas há 20 anos, já não refletem as novas condições do sistema e as adequações dos últimos anos só tentaram equacionar problemas de curto prazo. Essa situação torna a recente repactuação do risco hidrológico uma espécie de esparadrapo. Isso porque a questão regulatória não acompanhou a mudança estrutural do sistema, tornando recorrentes problemas como o GSF.

Essa conjuntura vem prejudicando não só as usinas de Santo Antônio, Jirau e Belo Monte, que usam seus Ebitdas para amortizar dívidas, como também as demais usinas integrantes do Sistema Interligado Nacional.

A regulação do setor precisa atender à nova estrutura do sistema elétrico, reconhecendo a perda da capacidade de regularização dos reservatórios das UHEs, a expansão das fontes renováveis e da geração térmica. Por isso, devem-se buscar soluções de medidas estruturais, como revisão da regra do MRE, para limitar os riscos assumidos pelos geradores hídricos na concepção dos projetos e realização de leilões de usinas térmicas a gás para operar na base ainda em 2017.

*Diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE)

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