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O estímulo fiscal de Biden vai superaquecer a economia americana?

Se isso acontecer, a consequência para os Estados Unidos pode ser uma inflação mais alta

Por The Economist
Atualização:

Em 20 de janeiro, Joe Biden entrou na Casa Branca durante uma crise econômica pela segunda vez na vida. Em 14 de janeiro, ele havia revelado seu plano para lidar com a desaceleração provocada pela pandemia. Visto de baixo para cima, o plano prevê gastos vitais com vacinas e assistência médica, um necessário alívio econômico e outros auxílios mais discutíveis. Visto de cima para baixo, é um enorme estímulo financiado por dívida. O plano de Biden equivale a cerca de 9% do PIB pré-crise, quase o dobro do pacote de gastos do presidente Barack Obama em 2009. E também é imenso em relação ao descompasso na demanda que os Estados Unidos podem sofrer assim que deixarem para trás o inverno da covid-19, dado o estímulo já em vigor.

Uma pergunta natural a se fazer, então, é se a proposta, reconhecidamente uma abertura para a negociação com o Congresso, pode superaquecer a economia, caso seja implementada. A figura mais proeminente a alertar que isto pode ocorrer é Larry Summers, da Universidade de Harvard. Suas críticas são notáveis porque ele foi conselheiro de Obama e porque, até então, vinha sendo um dos maiores defensores mundiais do déficit orçamentário. “Se deixarmos a covid para trás, teremos uma economia a todo vapor”, disse ele em 14 de janeiro.

Joe Biden, na Casa Branca, no dia da sua posse; EUA debatem se pacote trará mais inflação Foto: Jonathan Ernst/Reuters

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Aqui estão três razões principais para se suspeitar que o superaquecimento pode estar no horizonte: evidências emergentes de que a desaceleração pode ser temporária; estímulos generosos; e a estratégia de política monetária do Federal Reserve. Em primeiro lugar, consideremos as evidências de que a desaceleração de hoje pode ser mais um hiato temporário do que uma queda prolongada. O número de empregos não agrícolas permanece em torno de 10 milhões, ou 6,3%, abaixo do pico pré-pandêmico – semelhante aos números de 2010. No entanto, depois da primeira onda de infecções no ano passado, o desemprego caiu muito mais rapidamente do que os analistas projetavam. Se a criação de empregos retornar ao ritmo médio alcançado entre junho e novembro de 2020, o pico pré-pandêmico de empregos será reconquistado em menos de um ano. Foi só depois da metade do segundo mandato de Biden como vice-presidente que tal marco foi alcançado da última vez.

Reforçando o argumento de que a recuperação será rápida está o fato de que a perturbação econômica parece estar concentrada em certos setores, e não espalhada por toda a economia. Os EUA perderam empregos em dezembro, mas só porque os setores de lazer, alimentação e hotelaria foram atingidos pelo distanciamento social. A proporção de vagas abertas por trabalhadores desempregados permanece alta e, fora dos setores afetados, o crescimento dos salários não caiu muito. A queda de gastos também está concentrada. Os gastos do consumidor na semana até 3 de janeiro caíram apenas 2,8% ante o ano anterior, segundo o grupo de pesquisa Opportunity Insights. Ainda assim, os gastos do varejo foram 16,5% maiores. São os restaurantes, os transportes e o entretenimento que estão em apuros. E o estímulo mais do que compensou a entrada de renda em 2020. Em novembro, a renda total dos americanos após os impostos foi 4,3% maior do que no ano anterior.

A aritmética do estímulo é uma segunda razão pela qual a economia pode esquentar demais. Antes de dezembro, o estímulo fiscal total em 2020 era de quase US$ 3 trilhões (cerca de 14% do PIB de 2019), muito mais do que a provável queda na produção. As medidas de distanciamento social fizeram com que muito desse dinheiro se acumulasse nas contas bancárias. De acordo com a Fannie Mae, firma de financiamento habitacional apoiada pelo governo, em dezembro os americanos haviam acumulado cerca de US$ 1,6 trilhão em poupança excedente. É difícil saber o que pode acontecer com essa montanha de dinheiro. Os economistas geralmente presumem que as famílias têm muito menos probabilidade de gastar os ganhos inesperados (como os retornos de um aumento no mercado de ações) do que a renda habitual. Mas, se as pessoas considerarem esse excesso de poupança como uma renda atrasada, a montanha de dinheiro representará um estímulo que ainda não entrou em vigor e que será liberado quando a economia reabrir totalmente.

Estímulos para a economia

Em dezembro, o presidente Donald Trump sancionou lei que prevê mais US$ 935 bilhões em gastos orçamentários, o que estendeu os benefícios do auxílio-desemprego, deu mais apoio às pequenas empresas e enviou à maioria dos americanos um cheque de US$ 600. A medida garantiu que a renda perdida continuasse a ser substituída. A proposta de Biden de US $ 1,9 trilhão de estímulo, que inclui mais um cheque de US$ 1.400, deixaria o incentivo fiscal total de 2021 quase igual ao de 2020.

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Jason Furman, outro ex-assessor de Obama, calcula que o impacto combinado do pacote de dezembro e do plano Biden seria de cerca de US$ 300 bilhões ao mês durante os nove meses de 2021 em que as medidas estariam em vigor. Para se ter uma base de comparação, o déficit do PIB frente à sua tendência pré-crise foi de apenas US$ 80 bilhões em novembro. Como de costume, os keynesianos argumentam que o estímulo fiscal impulsiona a economia por causa de um efeito “multiplicador”. Mas, para defender estímulo tão grande quanto o proposto por Biden, “você precisa pensar que o multiplicador de 2021 será bem pequeno”, diz Furman. Caso contrário, o estímulo parece destinado a levar os gastos totais da economia para além do que ela conseguirá produzir no próximo ano, resultando em um surto de inflação.

Quando a economia mostra sinais de superaquecimento, o Fed geralmente aumenta os juros para esfriar as coisas. De fato, desde 6 de janeiro, quando os democratas conquistaram assentos cruciais no Senado pela Geórgia, o que pode possibilitar a aprovação de um grande pacote de estímulo, o rendimento do Tesouro de dez anos aumentou de cerca de 0,9% para cerca de 1,1%. Os rendimentos dos títulos indexados à inflação aumentaram na mesma proporção, sugerindo que os investidores de títulos preveem juros reais mais altos, e não apenas uma inflação mais alta.

Mas o Fed está fazendo de tudo para sinalizar que a política monetária continuará frouxa – um terceiro motivo para esperar superaquecimento. O momento de aumentar as taxas de juros “não vai chegar tão cedo”, disse o presidente Jerome Powell, em 14 de janeiro. Ele também descartou a ideia de que o Fed em breve poderia reduzir suas compras mensais de US$ 120 bilhões em títulos do Tesouro e títulos lastreados em hipotecas. Powell diz que o Fed aprendeu as lições de 2013, quando suas sinalizações de que poderia reduzir as compras de ativos deixaram os mercados de títulos em crise. Os formuladores da política monetária ainda dizem que preservar o “funcionamento regular do mercado” é um dos objetivos de suas compras, embora nenhuma disfunção tenha sido observada nos mercados de títulos desde a primavera.

Inflação e déficits contínuos

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O Fed está assim tão disposto a manter o pé no acelerador porque, em contraste com a recuperação da crise financeira, tenta ultrapassar sua meta de inflação de 2%, com o intuito de compensar os déficits contínuos. A estratégia ainda está sendo digerida pelos investidores. Não está claro se os parlamentares se comprometerão com a “meta de inflação média” como um fim em si mesma, ou simplesmente como um meio de impedir que as expectativas de inflação caiam muito durante a crise, diz David Mericle, do banco Goldman Sachs. Dado que as expectativas de inflação aumentaram recentemente, essa distinção pode ser importante. Independentemente disso, o Fed deixou claro que não aumentará as taxas até que a inflação esteja “no rumo de ultrapassar moderadamente os 2% por algum tempo”.

Aqueles que estão zelosamente comprometidos em tirar a economia mundial da armadilha de juros inflação baixos dos anos 2010 talvez desejem um surto de inflação ainda maior do que a atual combinação de políticas fiscais e monetárias poderia possibilitar. O Fed não está nesse campo. Se o superaquecimento provocar aumentos nas taxas antes do que os mercados esperam, a expectativa de dinheiro barato que sustenta os altos preços dos ativos de hoje e a sustentabilidade da dívida pública em alta pode começar a se desfazer.

Esse cenário continua sendo um risco de cauda. O resultado mais provável é que o Congresso concorde com um estímulo menor do que o proposto por Biden e que o superaquecimento, se ocorrer, seja temporário. Além disso, ninguém sabe ao certo com que rapidez a economia pode crescer sem provocar inflação. Se a política econômica continuar em território desconhecido, porém, seus limites de velocidade poderão ser testados com mais frequência. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU ]© 2021 THE ECONOMIST NEWSPAPER LIMITED. DIREITOS RESERVADOS. PUBLICADO SOB LICENÇA. O TEXTO ORIGINAL EM INGLÊS ESTÁ EM WWW.ECONOMIST.COM

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