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O fim lento e inevitável do reinado do dólar

Por Gilles Lapouge
Atualização:

A visita do presidente Lula à China não passa despercebida na França. A força da delegação que acompanha o presidente brasileiro e as atenções que a China vem dando ao Brasil - tudo isso ajuda os franceses a tomarem consciência de uma das grandes mudanças geopolíticas do planeta. O Brasil está entre os "grandes" do mundo. No plano econômico e financeiro, o que alerta os especialistas é a "punhalada" dada pelos dois países à hegemonia do dólar. Essa hegemonia, em vez de ser simplesmente criticada pelos especialistas, é contestada pela China e pelo Brasil, as duas potências concordando que as tarifas de suas trocas comerciais sejam fixadas nas duas moedas nacionais, o yuan (ou Renminbi) chinês e o real. Ninguém acha que essa decisão vai derrubar o "rei dólar" do seu trono. É verdade que os Estados Unidos, enfraquecidos pelo fim da Guerra Fria e pela administração absurda de George W. Bush, contestados pela ascensão dos grandes países emergentes (China, Índia, Brasil e mesmo a Rússia), não dominam mais o mundo como há 30 anos. Isso quer dizer que o dólar está ameaçado? Os meios empresariais não acham. E destacam enfaticamente as enormes vantagens do dólar. A primeira é que, mesmo que contabilizem espantosos déficits comerciais, podem enfrentá-los. Eles conseguem tomar emprestado em dólar, ou seja, na sua própria divisa, um privilégio singular. Além disso, o dólar é sempre referência para todo o tipo de negócio. O preço do petróleo é estabelecido em dólar, como a maioria das matérias-primas. É em dólar que se compara o PIB - Produto Interno Bruto dos diferentes países. Não é a única proteção do dólar. Há mais uma, surpreendente. O mundo inteiro tem o hábito de se exprimir em dólar e esse hábito resiste a tudo. Esse elemento psicológico é uma poderosa barreira que protege a moeda. A dívida americana provoca vertigens. Como os Estados Unidos continuam solventes? Como os outros países continuam a emprestar para os americanos somas exorbitantes? A resposta é curiosa: justamente porque estão endividados até o pescoço é que os Estados Unidos podem continuar pedindo emprestado. Vamos falar sobre esse paradoxo. Trata-se de um efeito perverso da dívida americana: os outros países precisam vender seus produtos para os americanos, o que é bom porque os EUA querem exatamente comprar esses produtos. O problema é que não têm mais dinheiro para pagar. Como fazer? Simples; os países estrangeiros emprestam o dinheiro com o qual os Estados Unidos podem comprar esses produtos. Em outras palavras, a China dá dinheiro para os americanos que, com ele, compram as quinquilharias chinesas. Essas são as razões pelas quais, apesar do acordo Brasil-China, o reinado do dólar não parece abalado, mesmo que continue a enfraquecer. No entanto, um passo importante foi dado, com os dispositivos monetários do Brasil e da China. Pela primeira vez, o o recuo da hegemonia do dólar torna-se uma hipótese, talvez não plausível, mas foi ventilada. É como se um tabu mental desmoronasse, como se "o inconcebível se tornasse, de repente, possível". È a conclusão do artigo de Edward Hadas, publicado ontem no jornal Le Monde: "A ideia de um mundo liberto do domínio do bilhete verde avança. Moscou e Nova Délhi poderão se juntar ao movimento e permitir às divisas dos Brics (Brasil, Rússia, China e Índia) formarem um bloco dos "4 R" (Real, Rublo, Rupia, Renminbi). O fim do reinado do dólar será, talvez, lento, mas não menos inevitável". *Gilles Lapouge é correspondente

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