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Ex-presidente do BC e sócio da Rio Bravo Investimentos

Opinião|O Fisco e o fiasco

Ao extinguir o jeito simples e barato de pagar impostos, desaparecem negócios e, com eles, a receita

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Atualização:

Muito já se escreveu sobre o pacote tributário (PL 2.337/2021), espécie de “choque heterodoxo” em matéria de impostos, que espalhou perplexidade e apreensão, exatamente o contrário do que se esperava da condução da “reforma tributária”. Na verdade, o uso dessa respeitável designação para o PL 2.337 foi incorreto e abusivo, o nome certo é “pacote”.

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Vale, todavia, recolher algumas das principais lições sobre o pacote, organizadas com as falas de dois ex-secretários do Ministério da Economia, que sabem bem do que estão falando, começando pelo ferino e certeiro comentário do ex-secretário Paulo Uebel: “O Sindifisco (o sindicato dos auditores fiscais da Receita) apoiar o pacote é como a CUT apoiar a reforma trabalhista”.

Uebel foi titular, até agosto de 2020, de uma das secretarias especiais do Ministério da Economia, na atual configuração: a de Desburocratização.

Uebel chama a atenção para um fato que parecia oculto nos debates de alto perfil sobre reforma tributária: a Secretaria de Receita Federal (SRF) não está propriamente alinhada com a ideia de reduzir a complexidade do sistema, menos ainda com a de reduzir a carga, ou com alterações neutras. Sua agenda é outra, e o PL 2.337 foi revelador. 

O pacote foi mal recebido, e não se pode culpar a ala populista-desenvolvimentista do governo ou o Parlamento. Na verdade, o trâmite na Câmara melhorou muito o projeto, mas ainda falta: o PL 2.337 ainda vai para o Senado, com os trabalhos começando onde parou o relatório do deputado Celso Sabino. Sobrou a tributação sobre dividendos, que é um “retrocesso e favorece a sonegação”, conforme definiu o ex-secretário da SRF Everardo Maciel, o secretário que mais tempo permaneceu no cargo no período democrático.

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O Ministério da Economia anda espalhando que o Brasil não tributa lucros (dividendos) e que isso é uma jabuticaba. Errado, segundo explica Everardo.

O Brasil tributa os lucros acima da média internacional (34% ante 21,5% na média para a OCDE), ao menos desde 1995, quando se entendeu que a tributação de dividendos era uma fórmula ineficiente de tributar os lucros. Não se trata de aliviar o imposto sobre o rendimento do capital, mas da forma de cobrar.

Em 1995, ao escolher o simples em vez do complicado, fizemos uma opção certa que agora se quer desfazer. 

Brasil tributa os lucros acima da média internacional, 34% ante 21,5% na média para a OCDE, ao menos desde 1995. Foto: Felipe Siqueira/Estadão

O sistema de 1995 tem funcionado muito bem, inclusive porque precisa de menos fiscais, e o ex-secretário Everardo Maciel tem sido diligente em lembrar dessa reforma, que ele mesmo conduziu, e em sugerir que o PL 2.337 deve caminhar para um merecido esquecimento.

A calibragem necessária para que seja neutra a mudança nos impostos sobre as empresas é muito complexa. Só por um milagre não ficaria tudo muito pior.

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Por fim, vale lembrar uma “Nota Executiva”, assinada pela Receita Federal, com o intuito de estimar os efeitos do pacote, da qual é possível extrair dois conceitos importantes:

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  1. (A nova tributação) provocará alteração no comportamento do contribuinte; e
  2. (Essa alteração) se dá no sentido de o contribuinte reduzir ao máximo o aumento de sua carga.

São duas obviedades no assunto de impostos: as pessoas não estão obrigadas a pagar seus impostos do jeito mais caro, se existe um mais barato e dentro das regras. Ao mudar as regras, os negócios mudam de lugar, ou somem, o contribuinte não fica inerte. 

Esses conceitos são importantes na definição das chamadas “renúncias fiscais”: é claro que não está correto chamar de “renúncias” as receitas que existiriam caso a tributação simplificada fosse substituída pela complicada, mas assumindo que os fatos geradores iam ficar exatamente do mesmo tamanho.

Em muitos casos, ao extinguir o jeito simples e barato de pagar impostos, os negócios também desaparecem e, com eles, a totalidade da receita, pois a tributação fica proibitiva. Esse é o drama do Simples, que a SRF aponta como a maior de todas as renúncias fiscais. Ao mover esses negócios para o COMPLICADO, essas empresas e seus negócios e empregos vão desaparecer, ou ao menos encolher muito. Simples assim.

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*EX-PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL E SÓCIO DA RIO BRAVO INVESTIMENTOS. ESCREVE NO ÚLTIMO DOMINGO DO MÊS 

Opinião por Gustavo H.B. Franco
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