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O futuro da França está se defendendo

Por Análise: Philippe Marliere
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Quando entrou no Palácio do Eliseu em 2007, Nicolas Sarkozy sonhava com um destino glorioso. Comentaristas entusiasmados previam que seu populismo casual revitalizaria a direita bonapartista, e que sua marca gaulesa de políticas neoliberais venderia o "sonho americano" para uma população desconfiada. As coisas não saíram como o planejado. Sarkozy queria ser o JFK francês; hoje ele mais parece Luis XVI aguardando julgamento em 1793. Ele pode escapar da guilhotina, mas sua presidência está hoje sitiada. Os franceses estão profundamente insatisfeitos com a maneira como têm sido governados, mas seu principal agravo é sobre a reforma da aposentadoria, vista como um complô cínico para fazer as pessoas comuns trabalharem mais por direitos menores, enquanto banqueiros resgatados e os ricos conseguem deduções fiscais e continuam levando uma vida faustosa. Há uma grande movimentação popular: 69% do país apoiam as greves e manifestações; 73% querem que o governo retire a reforma. E, agora, estudantes do segundo grau entraram na refrega. Cerca de mil colégios estão em greve, enquanto os jovens ganham as ruas para protestar contra o desemprego em massa e a elevação da idade de aposentadoria. O governo os rotulou paternalisticamente de "garotos manipulados", mas esses comentários saíram pela culatra e só serviram para estimular os jovens, que endureceram sua resistência. Quando entrevistados pela mídia, os alunos parecem articulados e bem informados. Os pais se preocupam com o futuro de seus filhos, por isso não tentam dissuadi-los de participar. Na França, greves e manifestações são vistas como maneiras civilizadas e eficazes de afirmar a cidadania. Espera-se dos estudantes que eles participem em passeatas desde tenra idade, recebendo com isso uma "educação política". A juventude francesa sempre apavorou os governos com seu potencial de radicalização. As recentes manifestações estudantis foram invariavelmente populares porque as pessoas sabem que os jovens foram duramente atingidos pelo desemprego nos últimos 30 anos. Os estudantes universitários se preparam para fazer greve também. Sarkozy, como Luis XVI em 1789, não parece ter captado a volatilidade da situação. Ele deveria saber mais. Desde maio de 1968, todos os governos foram empurrados para as cordas sempre que os jovens entraram num movimento social. Desta vez, isso pode ser crucial para se atingir um ponto de virada: um estágio no conflito em que o equilíbrio de forças se desloca do governo para os que se opõem à reforma do sistema previdenciário. Como interpretar a situação corrente? A rebelião certamente parece duradoura e vai além da questão das aposentadorias. A reforma desencadeou uma teia de ações coletivas que se espalha rapidamente. O descontentamento é alimentado pela baixa renda e o desemprego, mas também pelo impacto da crise na vida diária das pessoas, a arrogância da presidência de Sarkozy, casos de corrupção e brutalidade policial. Há um sentimento de ultraje moral com a imposição de um remédio neoliberal para curar uma doença causada pelas mesmas políticas neoliberais. Os franceses não são hostis a reformas: eles apenas exigem aquelas que redistribuem a riqueza e alocam recursos aos que mais precisam deles. Qualquer comparação com maio de 68, porém, pode ser apressada. Naquela época, a França experimentava um período de prosperidade econômica. Hoje, os eventos ocorrem no contexto de uma profunda depressão econômica. É por isso que a situação política é potencialmente explosiva. Trabalhadores radicalizados e jovens estão obrigando os sindicatos a agir. O Partido Socialista, em geral inofensivo, prometeu devolver a idade da aposentadoria a 60 anos se voltar ao poder em 2012. Pode-se vislumbrar dois cenários. A oposição a reforma endurece, caso esse em que Sarkozy pode ter de diluir a reforma ou mesmo retirá-la. Isso marcaria a primeira grande vitória popular na Europa contra a ordem neoliberal pós-2008. Ou Sarkozy resiste e impõe uma reforma profundamente impopular, caso esse em que o preço político a pagar para o presidente atual seria muito alto se ele decidir concorrer de novo em 2012. / TRADUÇÃO DE CELSO M. PACIORNIK PROFESSOR ASSISTENTE DE POLÍTICA FRANCESA NO UNIVERSITY COLLEGE, EM LONDRES

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