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Líder de mercado na Oliver Wyman, Ana Carla Abrão trabalhou no setor financeiro a maior parte de sua vida, focada em temas relacionados a controle de riscos, crédito, spread bancário, compliance e varejo, tributação e questões tributárias.

O futuro do pretérito reflete as escolhas dos nossos líderes públicos

Uma boa dose de amadorismo se mistura à malandragem dos que nada defendem a não ser seus interesses particulares

Por Ana Carla Abrão
Atualização:

Chegar ao mês de abril sem Orçamento é de uma incompetência injustificável. Chegar ao mês de abril com um Orçamento inexequível, falso e loteado, é criminoso. Não fosse este o pior momento da tragédia sanitária que vivemos há mais de um ano, o início do segundo trimestre de 2021 seria para sempre lembrado como um marco da gestão pública brasileira. Um marco vergonhoso. 

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Ao mesmo tempo que enterramos nossos mortos numa dor cotidiana que não cede, devemos também chorar por um País à deriva. Afinal, nada melhor a nos refletir do que um orçamento fictício, capturado por interesses eleitoreiros – do Congresso e do presidente da República, e que traça o caminho inequívoco do abismo, da improvisação, da ilegalidade e da falência. 

Fisiologismo, clientelismo e uma boa dose de amadorismo se misturam à leniência na gestão dos recursos públicos e à malandragem dos que nada defendem a não ser seus interesses particulares. O Orçamento de 2021 é a prova de que sucumbimos ao que há de pior na gestão pública. É o ápice de uma coleção de retrocessos institucionais que levarão anos para serem corrigidos e que se refletirão em um Brasil ainda mais pobre, ainda mais desigual, ainda mais injusto.

O Orçamento deveria ser discutido e aprovado como um compromisso com o País. Foto: Maryanna Oliveira/Agência Câmara

Orçamento é instrumento de gestão. Orçamento público é, além disso, a prova das escolhas públicas feitas em nome dos cidadãos. No Brasil, a Constituição Federal define a competência do Poder Executivo na elaboração da peça orçamentária a ser submetida ao Congresso. Ao Parlamento cabe, após discuti-la e aprimorá-la, a aprovação em sessão conjunta da Câmara e do Senado no ano civil anterior à sua execução. Esse é um processo que exige, além de um grande esforço técnico das áreas de planejamento e orçamento públicos, capacidade de articulação política e de liderança na sua elaboração, nas discussões internas e externas ao governo e nas sessões de aprovação no Congresso. 

O rito a ser seguido está previsto na Constituição, mas também nas Leis de Responsabilidade Fiscal e de Finanças Públicas e tem seu início com o Plano Plurianual (PPA), apresentado no primeiro ano de mandato do novo presidente formalizando diretrizes, objetivos e metas da administração pública federal para o horizonte de quatro anos.

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O PPA é uma das partes da tríade que se completa com os projetos de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que traça as diretrizes e metas de política fiscal que visam à garantir uma trajetória sustentável para a dívida pública; e de Lei Orçamentária Anual (LOA), que define a alocação dos recursos públicos (que – pasmem – são limitados), obedecidas as metas e diretrizes fiscais que constam da LDO. 

A cada ano, o rito começa em abril com a apresentação da LDO e dá-se por concluído com a aprovação da LOA até o dia 22 de dezembro do ano anterior à sua execução financeira. Essas são sessões que normalmente avançam a madrugada. Nunca primaram pela profundidade, pois ali muito do que tinha de ser discutido já o fora, mas ao menos tinham algum verniz, e ritos e prazos eram cumpridos. Desta vez, nem mesmo isso.

Orçamento deveria ser declaração de prioridades. Deveria ser discutido e aprovado como um compromisso com o País. Assim seria se fosse um orçamento real, com números corretos, com clareza nas escolhas de política pública e uma ampla discussão com a sociedade. Refletiria receitas e despesas corretamente calculadas e gastos condizentes com as prioridades e os anseios da população. No país que é epicentro da pandemia, refletiria a urgência do enfrentamento. No país da corrupção, não abriria espaço para a falta de transparência. No país da desigualdade, não caberia privilégios e escolhas eleitoreiras.

Dada a combinação perversa de necessidade de aumento de gastos públicos em função da pandemia com uma situação fiscal extremamente frágil, deveríamos ter tido um processo orçamentário ainda mais rigoroso e transparente. Ao contrário do que se viu, careceria aqui, mais do que nunca, uma direção de futuro, um compromisso com políticas públicas que revertessem ou minimizassem as mazelas que se aprofundaram e que exigem enfrentamento. Tivesse nossa gestão pública essa prioridade, a alocação dos recursos públicos por meio do Orçamento teria esse ponto de partida. Em tempos normais deveria ser assim, nos tempos atuais é desumano ter sido diferente. Poderia ter sido diferente, evitando que ficássemos presos à tragédia de 2020.

Mas nosso futuro do pretérito é contínuo. Seríamos o que não somos se nossos líderes públicos, em vez de estarem diuturnamente atentando contra nossas instituições, estivessem preocupados em construir um futuro melhor não para si, mas para todos. Quando isso finalmente acontecer seremos, aí sim no futuro do presente, um outro país. Muito melhor e muito mais justo.

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*ECONOMISTA E SÓCIA DA CONSULTORIA OLIVER WYMAN. O ARTIGO REFLETE EXCLUSIVAMENTE A OPINIÃO DA COLUNISTA

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