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O futuro ficou mais longe

Em plena gestação do Estado Novo, em 1937, Getúlio Vargas encontrava tempo para partidas de dominó, como revelam seus diários publicados em 1995. Naquele Brasil rural de 30 milhões de habitantes tudo parecia mais simples. Muitos anos depois, o delicioso diário da presidente Dilma da revista Piauí não registra, mas o que ela tem pela frente é um cabuloso jogo de xadrez. Há poucas peças no tabuleiro, o tempo corre rápido e uma jogada errada pode ser fatal. Podemos assumir, pragmaticamente, que a política econômica de 2013 e 2014 estará subordinada aos interesses eleitorais do governo. A prevalência do que é imediato, no entanto, não pode ser levada ao paroxismo de inviabilizar a gestão de um eventual segundo mandato. A ninguém pode interessar ser o herdeiro de um legado caótico, menos ainda se ele for o seu próprio. Há três influências não convergentes que pressionam a orientação da política econômica hoje. O ideário do mercado financeiro é uma delas. Aqui tudo ocorre em condições assépticas de laboratório. Os economistas que dão conselhos sentados do outro lado do mundo gostam de dizer que nosso crescimento no longo prazo dependerá de um choque de produtividade (que inclui investimentos em infraestrutura e educação), da promoção da concorrência (que exige abertura da economia), do corte de gastos públicos (que pressupõe a revisão de direitos adquiridos) e da redução consistente da inflação (que depende disso tudo). O problema é que o mundo é mais complexo. Não porque as conveniências políticas conspurquem as equações econômicas, mas porque são raros os governantes que pensam adiante do seu tempo. Uma outra demanda vem das manifestações de rua. A pauta é difusa e não há por que esperar compromisso com a viabilidade do que se almeja, mas o fato é que não é possível dar uma guinada na alocação dos gastos públicos. Cobram-se, por exemplo, melhorias no sistema educacional. É justo. A divulgação recente do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) foi comemorada com fogos de artifício, mas ainda estamos em 85.º lugar, atrás do Peru (77.º), do México (61.º) e muito atrás da Argentina (45.º). Nosso pior indicador é a escolaridade da população, medido pelo número de anos de estudo. Estamos estagnados desde 2010 em 7,2 anos, atrás - atenção agora - do Paraguai (7,7 anos). Pois mudar esse quadro não é fácil, por mais que seja desejável. Pode-se fugir do problema atribuindo ao governo falta de "vontade política", mas as limitações são objetivas. É frequente a avaliação de que a péssima qualidade dos serviços públicos é fruto apenas do desperdício, do descaso e da corrupção. É isso também, mas é mais do que isso. Também falta dinheiro. Não pagamos impostos da Noruega para ter serviços de Botswana (onde, a propósito, a população tem 8,9 anos de estudo). Para uma renda per capita de US$ 55,9 mil e uma carga tributária de 57%, cada norueguês paga, em impostos, US$ 31,8 mil por ano, mais de sete vezes mais do que paga um brasileiro. Por fim, para complicar, o governo se deixou encurralar desastradamente pela sua própria base de apoio parlamentar, que hoje desempenha com louvor o papel que a oposição recusou. A agenda, aqui, é oportunista. Vale apenas o artifício da troca mesquinha de favores, dos interesses mercadejados, da chantagem vil e do miúdo jogo eleitoral, terreno onde, certamente, não viceja uma reflexão sobre o futuro do País. É dura a vida da presidente Dilma, não só por culpa dela.No tabuleiro. Nada de bom e importante vai acontecer na política econômica até 2015. Não há espaço para mudanças. Fazer reformas estruturais a esta altura é inviável. Resta a alternativa de mexer poucas peças no tabuleiro. É imprescindível, em primeiro lugar, sobriedade. A atual gestão da economia se destaca pela manipulação estabanada dos malabares. Muitas vezes, medidas equivocadas geram a necessidade de correção por meio de novas medidas equivocadas, provocando uma ciranda de desacertos. Convém comedimento nesta fase final. Fazer menos é errar menos. Favoreceria, também, uma mudança na própria equipe econômica. Não porque novos nomes possam fazer muito mais, mas porque uma troca teria o condão de paralisar o relógio momentaneamente, o que sempre é bom para quem luta contra o tempo. A credibilidade também ganharia pontos se o governo se dispusesse a fazer oferendas simbólicas, como formalizar a desistência de concorrer ao Prêmio Nobel de Contabilidade Criativa, ou, melhor ainda, apoiasse o projeto de lei do senador Francisco Dornelles que regulamenta a autonomia do Banco Central. Nada de existencialmente revolucionário, mas um afago que pode ter sua utilidade. Na mesma linha, medidas pontuais de apreço à frugalidade no trato do dinheiro público podem ajudar. A maior oportunidade, no entanto, está no cronograma das concessões. Esse é o lance em que o governo não poderá falhar. Para isso, deverá aceitar a platitude de que o interesse da iniciativa privada é maximizar lucros, aqui e no mundo. O sucesso das concessões não será garantia de recuperação da economia, já que os investimentos públicos representam parcela diminuta da formação bruta de capital. Mas seu fracasso apertará ainda mais o torniquete que sufoca o nosso crescimento. O resumo da ópera é simples. Na ausência de novos erros na condução da política econômica, teremos dois anos de crescimento medíocre, inflação relativamente alta, aumento da dívida pública bruta e nenhum avanço na solução de problemas estruturais. A pauta estará subordinada aos interesses de curto prazo, que tecem um emaranhado de artifícios que trazem saudades da simplicidade de um jogo de dominó. O futuro? Ora, o futuro fica para depois.

Por LUÍS EDUARDO ASSIS
Atualização:

 

* LUÍS EDUARDO ASSIS É ECONOMISTA, FOI DIRETOR DE POLÍTICA MONETÁRIA DO BANCO CENTRAL E PROFESSOR DA PUC-SP E FGV-SP. E-MAIL: LUISEDUARDOASSIS@GMAIL.COM.

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