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Paulo Leme: O grande risco para o Brasil este ano é interno, e não externo

Avanço das exportações dará algum impulso à economia, mas questões estruturais internas ameaçam crescimento mais robusto

Por Paulo Leme
Atualização:

Em geral, somos reféns do passado e temos dificuldade de entender a natureza estocástica do futuro. Eu sempre começo o ano novo com uma pedalada ao amanhecer. Nesse lusco-fusco, há um momento quando o passado pode colidir com o futuro. O passado é a turma que volta dirigindo embriagada da balada; o futuro são os ciclistas expostos a colidir com o passado.

Para analisar as perspectivas para a economia mundial e seus efeitos para o Brasil em 2021, temos de nos desvencilhar das ferragens do annus horribilis de 2020. Em 2021, ainda sentiremos o ônus das fatalidades e a destruição de atividade econômica causadas pela covid-19. A segunda onda e as mutações do vírus não só ceifaram vidas e PIB como criaram um viés pessimista para 2021. É o passado colidindo com o futuro. 

Para Paulo Leme,PIB mundial levará dois anos para voltar ao nível de 2019 Foto: Epitácio Pessoa/Estadão

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Com a destruição de empresas, capital e trabalho, a pandemia deixará cicatrizes e o PIB mundial levará dois anos para voltar ao nível de 2019. No entanto, esta crise é diferente daquela causada pelo colapso do mercado financeiro em 2008. Ela é pontual, levando a uma queda rápida da atividade seguida por uma recuperação em K: os setores que se beneficiaram da pandemia se recuperam rapidamente, enquanto os prejudicados precisarão de mais tempo e de uma arma para derrotar a pandemia. Ao adotar taxas de juros negativas e expandir os seus balanços, os bancos centrais transformaram o sistema financeiro em uma solução, e não a causa desta crise.

Há quatro forças que nos levarão a uma retomada do PIB mundial e à continuação do bull market em 2021. A primeira é que, graças à genialidade dos cientistas, a imunização em massa apoiada por antivirais já é uma realidade. A partir do segundo trimestre, muitas nações poderão reabrir as suas economias, reconstruindo os setores mais afetados pelo lockdown.

A segunda é o efeito defasado do programa gigantesco de estímulos monetários e fiscais implementados desde março de 2020.

A terceira será o novo governo Biden – um tremendo upgrade para os EUA e a economia mundial. Teremos de volta gestores públicos de carreira e focados em combater a pandemia e estimular o crescimento. Biden usará uma abordagem keynesiana, fundamentada em grandes estímulos fiscais, geração de empregos e auxílio àqueles que mais perderam com a pandemia. O aumento do gasto público estimulará o crescimento nos EUA e no resto do mundo também. Ao reintroduzir o multilateralismo, o governo Biden também estimulará o comércio internacional. 

Por último, o PIB mundial crescerá simplesmente pelo efeito estatístico (carry over), que ocorrerá quando compararmos o PIB de 2021 contra a média deprimida de 2020. 

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Essas forças nos propiciarão um cenário positivo para a economia global em 2021: o PIB mundial crescerá 4%, versus a contração de 4% em 2020. A China liderará a retomada mundial, crescendo 8% (1,8% em 2020), seguida pelos EUA (4% versus -3,7% em 2020). 

A inflação mundial seguirá abaixo de 2%, porque ainda há muita capacidade ociosa e desemprego no mundo. Por isso, os bancos centrais poderão manter taxas de juros negativas e condições financeiras laxas por mais dois anos. A retomada do crescimento aumentará as taxas longas dos títulos da dívida do Tesouro americano, o que poderá causar problemas para o mercado de renda fixa. 

O bull market da Bolsa americana ganhará mais força: o índice S&P 500 deve subir 15% em 2021, para 4.300. Esse aumento é devido à retomada do crescimento (aumento do lucro das empresas); à procura por ativos de risco num mundo de juros negativos; e à forte entrada nas Bolsas do caixa que hoje se encontra estacionado em bancos e fundos. 

Como parte da estratégia americana é inflar a economia, em 2020 o dólar já se desvalorizou 12% (índice DXY). Em 2021, o dólar continuará se desvalorizando em relação às moedas fortes e algumas moedas emergentes (China e exportadores de commodities). 

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O volume do comércio internacional crescerá 4%. O preço das commodities continuará subindo por causa da maior demanda, juros reais negativos, dólar fraco e falta de investimentos no setor. O preço do petróleo deve subir 25%, enquanto que os metais industriais (ferro, alumínio) e preciosos (ouro) devem ter ganhos expressivos. Dependendo do clima, o preço da soja deve subir. 

Para o Brasil, essa conjuntura externa é espetacular. Nossas exportações crescerão movidas a maiores volumes e preços, aumentando os salários reais e o crescimento. 

Desde 2019, uma das principais causas da desvalorização do real foi a forte saída de capitais estrangeiros do País. Dada a abundância de liquidez externa, poderíamos reverter esse quadro em 2021, nos beneficiando de maiores volumes de capitais de portfólio e investimento direto, o que poderia aumentar os investimentos no País e baratear a rolagem da dívida externa das empresas. É provável que o Copom tenha de aumentar a Selic para conter a inflação. Nessas condições, e caso o governo adote uma política macroeconômica robusta, o real poderá se apreciar. 

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Para que o capital estrangeiro volte ao País, o governo terá de implementar medidas econômicas que reduzam a dívida pública em relação ao PIB e reformas estruturais que estimulem os investimentos e aumentem a produtividade. Além disso, o governo vai ter de tratar do problema ambiental com seriedade. O superávit comercial também nos permitirá abrir a economia ao comércio exterior, reduzindo custos e aumentando a produtividade através da importação de bens de capital.

O Brasil deveria resgatar o seu papel de liderança na América Latina, posicionando-se para negociar acordos comerciais com EUA e Europa e, porque não, ser protagonista da inclusão ordenada da China nas correntes do comércio e mercados financeiros internacionais. 

O maior risco para o Brasil este ano é interno, e não externo. Políticos e empresários: é hora de reconstruir o País. Não permitam que o futuro seja atropelado pelo passado, desperdiçando mais esta oportunidade para crescer e melhorar a nossa qualidade de vida. * PROFESSOR DE FINANÇAS NA UNIVERSIDADE DE MIAMI E PRESIDENTE EXECUTIVO DO COMITÊ GLOBAL DE ALOCAÇÃO, XP PRIVATE 

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