Nesta quinta-feira, o Banco Central Europeu (BCE), que administra o euro, a segunda moeda mais importante do mundo, tomou decisões de grande impacto sobre a economia global, cujo alcance ainda está para ser mais bem avaliado.
Na área do euro, os juros básicos já eram negativos, de -0,4% ao ano. Pois foram para -0,5% ao ano. Isso por si só produz pelo menos três consequências de grande alcance: (1) obriga o emprestador ou o aplicador de dinheiro dos 17 países da área a pagar por isso, ao contrário do que acontece quase sempre quando os juros são positivos; (2) impõe perdas de ativos dos bancos, hoje abarrotados de recursos, que precisam depositar suas sobras no BCE e, assim, perder 0,5% ao ano desse capital; e (3) provoca certa redução das despesas dos Tesouros nacionais com juros que, nessas condições, podem reduzir sua dívida.
O BCE, dirigido pelo italiano Mario Draghi, não parou por aí. Anunciou que o Banco retomaria a operação de afrouxamento quantitativo (quantitative easing), que consiste em recomprar títulos públicos e privados no mercado – portanto, em injetar ainda mais dinheiro na economia. O BCE anunciou, inclusive, o ritmo dessa operação: a recompra de títulos acontecerá à proporção de 25 bilhões de euros por mês, mas não tem prazo para terminar.
Essa política monetária agressiva tem por objetivo reverter, ainda no seu início, a atual fase de recessão que vem assustando analistas, dirigentes políticos e os mercados. O Federal Reserve (Fed, obanco central dos Estados Unidos) deve avançar agora pela mesma picada, porque o medo de recessão se alastra também sobre a economia americana.
Como esta Coluna comentou outras vezes, a persistência de juros negativos tira capacidade de tração dos grandes bancos centrais, porque reduz o espaço para cortes adicionais dos juros se o objetivo é reativar o setor produtivo estagnado. Daí o recurso ao afrouxamento quantitativo, que já fora largamente colocado em prática pelos grandes bancos centrais ao longo da crise de 2008.
Pergunta inevitável: se os juros são negativos e se só perdem com isso, uma vez que têm de pagar em vez de receber pelas aplicações, por que as pessoas continuam comprando títulos (continuam a fazer empréstimos)? Uma das respostas é a de que, se a percepção geral é de que a longo prazo os juros já negativos cairão ainda mais, continuará a ser bom negócio aplicar em títulos de dívida aos juros atuais. E, se os grandes bancos centrais adotarem, como o faz agora o BCE, a política de recompra em massa de títulos no mercado, é provável que, pela maior demanda, os preços dos títulos (e não dos juros) aumentarão e, assim, também tornem interessantes as aplicações e a posterior revenda desses títulos no mercado.
No mesmo dia em que as decisões do BCE foram anunciadas, o presidente Draghi advertiu que a política monetária (a contribuição dos BCs) já deu o que tinha de dar e que, a partir de agora, novas respostas para a recuperação da economia global têm de vir dos governos, ou seja, de políticas fiscais. A grande safra de juros negativos pode ajudar na mudança de foco, na medida em que as dívidas públicas tendem a cair e a viabilizar a expansão das despesas sem perda de controle das finanças dos governos.
No entanto, a maior força das políticas fiscais pode ficar sabotada pela intensificação da guerra comercial empreendida entre Washington e Pequim. O estrangulamento do comércio entre os grandes puxadores da economia é, por si só, fator de quebra da atividade econômica, na medida em que Estados Unidos e China comprarão menos no mercado global.
De todo modo, juros negativos produzem tesouradas nos fundos de renda fixa, nos planos de aposentadoria e no patrimônio financeiro das famílias, que já vêm lutando com forte aumento das despesas com saúde. A julgar pelo que acontece nessas circunstâncias, a tendência da população dos países ricos é aumentar a poupança e reduzir o consumo, fatores que trabalham contra a recuperação da atividade produtiva e do aumento do emprego.
Como fica o Brasil nessa paisagem? Embora os juros básicos por aqui, a 6,0% ao ano, estejam longe do campo negativo, o retorno das aplicações financeiras começa a ser fortemente prejudicado pela inflação ainda maior que a dos países avançados, pelas altas taxas de administração, pelas tarifas cobradas pelos bancos e pelos impostos. Por isso, o Brasil não está longe de ter de enfrentar as mesmas consequências.