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Jornalista e comentarista de economia

Opinião|O impasse de Chipre

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A rejeição categórica do plano de salvação da dívida e dos bancos de Chipre, tal como formulado pela troica europeia (União Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional), aumenta as incertezas que pairam sobre toda a economia mundial. Como a Coluna de ontem comentou, a contrapartida exigida para a liberação da ajuda oficial de 10 bilhões de euros, correspondentes a perto de 60% do PIB, foi a cobrança de quase um dízimo (no caso, 9,9%) sobre os depósitos bancários a partir de 100 mil euros e de 6,7% sobre os de valor inferior a essa quantia. A rejeição exige a negociação de novo pacote e a continuação do feriado bancário imposto para impedir a corrida aos depósitos - que a imprensa global vem chamando de Corralito Cipriota, em referência ao bloqueio (e racionamento) de retiradas adotado em 2001 pelo então governo De la Rúa, na Argentina. Seja qual for a decisão que prevalecerá a partir dessa lambança aprontada pelas autoridades, os saques são inevitáveis. Pelos cálculos do governo cipriota divulgados ontem, caso sejam resgatados somente 10% dos depósitos, os depositantes estarão retirando dos bancos o equivalente a 38% do PIB. Na Grécia, onde, apesar de tudo o que aconteceu, ninguém ousou meter a mão no patrimônio dos correntistas, as retiradas alcançaram, em alguns meses, 30% dos depósitos. Ainda ontem, circulou insistentemente na imprensa mundial o boato de que Chipre se retiraria ou seria empurrado para fora da área do euro - o que implicaria o retorno da moeda nacional (que antes do euro era a lira cipriota), a ser administrada pelo banco central local. E seria um desastre de proporções incomensuráveis. Como a economia cipriota foi (literalmente) para a bancarrota, a lira, com esse ou outro nome, seria ressuscitada fortemente desvalorizada ante o euro, sujeita a novas depreciações. Bastaria esse motivo para que os correntistas fossem imediatamente aos saques. E, nesse caso, as autoridades seriam obrigadas a montar um corralito especial, ou seja, um cronograma de liberação dos depósitos que voltariam aos correntistas, sabe-se lá em que prazo e com que corrosões. Também ontem, o governo de Chipre tentava negociar assistência especial com o governo da Rússia, baseado no pressuposto de que em torno de 40% dos depósitos em bancos cipriotas pertencem a instituições financeiras e companhias russas. Seria uma proposta que, para os russos, equivaleria a perder os anéis para não perder os dedos. O problema é que essas negociações são complicadas e os bancos não podem permanecer fechados por muito tempo. Chipre é uma economia nanica, de PIB inferior a 20 bilhões de euros. (Só para comparar, o Bradesco tem um patrimônio líquido na casa dos 25 bilhões de euros.) Poderia parecer que, embora localmente impressionante, o estrago infligido à economia europeia teria tudo para ser irrelevante. Mas não é assim, há o enorme potencial do efeito contágio. Se um país-membro do euro está sujeito a um desastre dessa magnitude, outros também estão. De nada vale as autoridades da troica repetirem que Chipre é um caso único. Já disseram o mesmo sobre Grécia, Irlanda e Espanha... No mais, persiste o espanto geral sobre quais terão sido as razões pelas quais as autoridades da troica tomaram uma decisão tão arriscada e, mais que tudo, tão idiota.

Opinião por Celso Ming

Comentarista de Economia

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