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'O interesse chinês pela América Latina é grande com ou sem Trump'

Em passagem pelo Brasil, o professor japonês Nobuaki Hamaguchi disse que com guerra comercial aumenta interesse do país asiático por áreas produtoras de alimentos

Por Lu Aiko Otta
Atualização:

BRASÍLIA - A guerra comercial entre Estados Unidos e China aumenta a atenção do país asiático em áreas produtoras de alimentos, como a América do Sul. Mas o interesse é forte e crescente “com Trump ou sem Trump”, disse ao Estado o professor Nobuaki Hamaguchi, da Universidade de Kobe. O avanço chinês na região pressiona o Japão a buscar um acordo comercial com o Mercosul.

Hamaguchi e mais dois estudiosos asiáticos sobre a América Latina, Jie Guo, da Universidade de Beijing, e Chong-Sup Kim, da Universidade de Seul, lançarão neste ano um livro intitulado Cutting the Distance. Neste mês, ele proferiu na Universidade de Brasília uma palestra sobre a presença asiática na região. 

Segundo o professorNobuaki Hamaguchi, o Japão está se esforçando mais em sua estratégia de acordos internacionais Foto: Roberta Machado/Embaixada do Japão/Divulgação

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A guerra comercial traz mais riscos ou benefícios para o Brasil? Não sei dizer. Porque a intensidade e duração da guerra, ninguém sabe. Meu coautor, lá de Pequim, disse que há um interesse forte na área de alimentos. E nesse contexto os interesses chineses na América Latina são muito fortes e estão crescendo. Com Trump ou sem Trump.

O sr. disse em sua palestra que a região deve se integrar à iniciativa chinesa, mas deve ter uma estratégia para isso. Não parece ser o nosso caso. Precisamos fazer mais estudos, mais análises técnicas sobre a geopolítica de recursos e a geopolítica do agronegócio. O Brasil precisa colocar seu próprio plano de desenvolvimento e investimento para o futuro olhando com essa perspectiva mundial.

A iniciativa Belt and Road de integração econômica, que a China quer expandir para a América Latina, é algo que acontecerá independentemente da nossa vontade ou temos opção de não estar nela? Os investimentos chineses já estão acontecendo, em transmissão de energia, compra de áreas de produção. A guerra comercial promove ainda mais interesse da China no Brasil quanto a alimentação, na área de soja especialmente. Eles podem comprar terrenos, estruturas de produção, armazenagem. E infraestrutura de portos e tudo isso. Isso vai aumentar o interesse. Eles querem comprar. Se os brasileiros não querem, não vendam. Façam com seus recursos.

Esse maior pragmatismo do Japão é reação ao avanço da China na América Latina? Isso promove, certamente. Minha perspectiva é essa. Se nada for feito, há um vácuo de interesses internacionais e a China tem sua estratégia de apresentar oportunidades para produtores aqui. A China precisa buscar demanda no mercado externo, e certamente aqui tem essa oportunidade. O Japão, que sempre se considerou a referência de Ásia para a América Latina, observa esse movimento. A entrada forte da China parece uma invasão de território.

O que Mercosul e Japão têm a ganhar com um acordo comercial? O Mercosul, inclusive o Brasil, pode ganhar mais participação no mercado japonês em áreas em que já tem vantagem comparativa. Certamente, produtos agrícolas, como carne e frutas. Para as empresas japonesas, o mais importante seria o setor automobilístico, que gradualmente está se expandindo no Brasil. Com o acordo, elas podem reorganizar cadeias produtivas, importando do Japão algumas peças importantes que atualmente são produzidas no Brasil. Isso pode baixar o custo e aumentar a qualidade.

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Isso não parece interessante para a indústria brasileira. O Mercosul negocia um acordo de livre-comércio com a União Europeia. Então, existe esse vetor: a busca de uma competição mais equilibrada. É bom para a indústria japonesa ter a mesma condição que os produtores europeus.

Brasil e Japão têm uma parceria econômica antiga, mas só agora se fala no acordo. Por quê? Não é só agora. Tem-se falado do acordo desde a década de 1990. Em julho, em Tóquio, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) e o Keidanren fizeram uma declaração a favor do acordo. O Japão está se esforçando mais em sua estratégia de acordos internacionais e regionais. Os interesses que já existiam ficaram mais relevantes.

O setor agrícola japonês seria um empecilho ao acordo? Esse é um ponto que sempre requer cautela. Segundo informação que tive, a negociação (do Japão) com a Colômbia está um pouco atrasada por causa disso. O acordo não abre totalmente os mercados, mas cria cotas para o livre-comércio. Então, a negociação é de quantidades. O Brasil e o Japão ainda não fizeram análise sistemática sobre quais são os produtos e setores mais sensíveis. Geralmente, no Japão, são: arroz, carne, algumas frutas, especialmente laranja, produtos lácteos. E o açúcar, certamente, em função da população de Okinawa, que é uma região mais pobre. Esses produtos são tradicionalmente protegidos. Seria possível o Brasil exportar arroz para o Japão?

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Aqui tem arroz. Se os japoneses vão comprar, é outra discussão. Não é só uma questão de tarifa, mas há regulamentos sanitários e fitossanitários que são barreiras grandes. Mas o Japão já tem acumulada uma experiência de livre-comércio, especialmente por causa das negociações do TPP (Aliança Trans-Pacífica). Não é o Japão dos anos 1980. Ainda que existam, as dificuldades não são tão grandes quanto antes.

O sr.se refere a um acúmulo de estudos, análises e conhecimentos durante as negociações, que facilitam um novo acordo? Sim. Em geral, a dificuldade do setor agrícola japonês não é mais importação e exportação, mas sua própria estrutura produtiva. Com a diminuição populacional e a escala do mercado interno menor do que antes, os produtores precisam procurar o mercado externo, em vez de proteger o mercado interno. Alguns produtores pensam em exportar carne wagyu para o Brasil, por exemplo. Ou até exportar arroz especial para sushi, que não é igual aqui. Vocês poderão comer um sushi melhor.