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O lado positivo da crise

Por Lawrence Summers
Atualização:

Ao longo dos últimos 20 anos, grandes distúrbios financeiros ocorreram a cada três anos, aproximadamente: quebra do mercado de ações em 1987, o colapso do sistema de poupança e empréstimos e a crise do crédito no início da década de 90, a crise mexicana em 1994, as crises financeiras asiáticas em 1997, os eventos da Rússia e do Long-Term Capital Management em 1998, o estouro da bolha tecnológica em 2000, os potenciais colapsos do sistema de pagamentos depois de 11 de setembro de 2001 e o alarme deflacionário nos mercados de crédito pós-Enron, em 2002. Esse histórico sugere que, no início de 2007, já estava mais que na hora de ocorrer um grande distúrbio financeiro. E, de fato, as dificuldades envolvendo as hipotecas subprime, antes vistas como um problema localizado, se tornaram sistêmicas no último mês, quando o mercado pareceu em dúvida quanto à credibilidade até das instituições mais fortes e correu para comprar títulos do Tesouro. Crises financeiras diferem nos detalhes. Porém, assim como existem ciclos de enredo comuns em tragédias literárias, as crises financeiras seguem um traçado comum. Primeiro há um período de excesso de confiança, valores de ativos em alta e aumento da alavancagem, com os investidores acreditando em estratégias que apresentam um longo histórico de sucesso. Depois, surge uma surpresa - no caso atual, a descoberta de problemas enormes no setor subprime e a conseqüente perda de confiança nas agências de classificação - que leva os investidores a reorganizar seus interesses e buscar mais segurança. Em terceiro lugar, quando os investidores correm para a saída, o foco da análise de risco muda dos fundamentos para o comportamento do investidor. À medida que os investidores liquidam, os preços caem e outros são forçados a liquidar, baixando mais os preços. A previsão da liquidação em cascata leva a mais liquidação, criando tendências de queda que levam a movimentos de preços que pareciam inconcebíveis algumas semanas antes. A disponibilidade de crédito reduzida afeta a economia real negativamente. A certa altura - às vezes em alguns meses, como nos Estados Unidos em 1987 e 1998, às vezes em uma década, como no Japão nos anos 90 - já houve tanta liquidação e tanto ajuste de preços que o medo extraordinário dá lugar à ganância ordinária e o processo de recuperação começa. Só o tempo nos dirá em que ponto do ciclo estamos. Houve alguns sinais de retorno à normalidade na última semana, mas é cedo para saber com certeza se é uma falsa primavera ou o fim de uma fase da crise. Outros incidentes ainda podem ocorrer no setor financeiro. E ainda não é possível julgar o impacto dos acontecimentos sobre a confiança e os gastos do consumidor, que alimentaram a expansão dos EUA nos últimos anos. É cedo demais para tirar lições políticas da atual crise. Mas não é cedo para sublinhar as questões que suscita. Três se destacam. Em primeiro lugar, a crise ganhou um impulso importante com a perda de confiança nas agências de classificação de risco, pois uma grande quantidade de dívidas com ótimo conceito se mostrou muito arriscada e rumou para a inadimplência. Há espaço para discutir se os erros das agências refletem a análise deficiente dos novos e complexos instrumentos de crédito ou se podem ser atribuídos aos conflitos provocados quando os emissores de dívidas pagam por suas classificações e podem comprar as melhores. Mas não há espaço para duvidar que, como ocorreu em crises financeiras anteriores, envolvendo o México, a Ásia e a Enron, as agências erraram. À luz desses problemas, os padrões do capital bancário, a política de desconto do Federal Reserve (Fed, o banco central americano) e as inúmeras regras de investimento deveriam se basear em classificações? Qual é a alternativa? A lei Sarbanes-Oxley foi uma resposta possivelmente falha às dificuldades apontadas pela Enron na contabilidade corporativa. E se alguma resposta legislativa for adequada para os problemas com as classificações? Em segundo lugar, como a política deve responder a crises financeiras concentradas em instituições não-financeiras? Uma premissa do nosso sistema financeiro é que os bancos aceitem a supervisão mais acirrada das autoridades públicas em troca de acesso privilegiado ao sistema de pagamentos e aos empréstimos de liquidez segundo a taxa de desconto. O problema, desta vez, não é que os bancos careçam de capital ou sejam incapazes de se financiar. É que a solvência de uma série de instituições não-bancárias está em questão por causa de dúvidas sobre os fundamentos e das liquidações em cascata à medida que os investidores perdem confiança, procuram retirar seu dinheiro e, no processo, forçam liquidações que empurram os valores dos ativos para baixo. Para usar uma velha frase, bancos centrais que buscam criar confiança financeira emprestando a bancos ou reduzindo seu custo de empréstimo podem estar empurrando o problema com uma corda. A liquidez deveria ser fornecida mais amplamente em tempos de crise? Em caso positivo, com quais mudanças na supervisão e na regulamentação do capital? Em terceiro lugar, qual deve ser o papel público no apoio ao fluxo de crédito para o setor imobiliário? A lição do colapso do sistema de poupança e empréstimos é a de que foi catastrófico financiar a propriedade imobiliária por meio de instituições seguradas que tomavam empréstimos de curto prazo e então ofereciam hipotecas com taxas fixas de longo prazo. Agora, um sistema apoiado na securitização, em hipotecas com taxas variáveis e instituições não seguradas entrou em colapso. Estou entre os muitos que contestam seriamente a sensatez das quase-garantias governamentais que têm apoiado as empresas com patrocínio público (GSEs) em suas operações no mercado de hipotecas. No entanto, se já houve algum momento em que elas deveriam expandir as suas atividades, certamente é agora que a liquidez das hipotecas está secando. Sem dúvida, os padrões de crédito no mercado subprime permaneceram baixos demais por tempo demais. Mas agora que os mutuários enfrentam o reajuste das hipotecas, não é hora de as autoridades se comportarem e encorajarem a negação de crédito. Ninguém pode prever o futuro, mas já vimos o suficiente para saber que esta crise terá pelo menos um lado positivo se motivar uma reflexão cuidadosa sobre essas questões vitais.

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