Aflição gera mais aflição. O que leva as cotações do dólar a bater recordes é o medo que se imagina a caminho. Quando isso acontece, como agora, empresas e pessoas físicas se entocam no dólar à procura de proteção. A disparada cambial, por sua vez, provoca a afluência de novos medos.
Apenas em agosto, as cotações do dólar saltaram 10,6%. O acumulado do ano é um avanço de 25,3% (Veja o gráfico.)
As incertezas mais próximas por trás da maior procura por moeda estrangeira têm a ver tanto com o resultado incerto das eleições quanto com o climão geral de insegurança global detonado pela guerra comercial deflagrada por Trump. E tem a parcela de contaminação com o ataque de pânico no mercado argentino, também por conta dessa fase ruim. (Veja o Confira.)
Mas ficar só nisso é como descarregar toda a culpa na Conmebol pela desclassificação humilhante do Santos na Copa Libertadores, e não nos erros originais primários da diretoria. Se a economia brasileira estivesse construída sobre bases sólidas, não houvesse o impressionante rombo fiscal, a atividade econômica não estivesse tão estagnada e os políticos e as corporações não fossem tão irresponsáveis, as incertezas internas e externas não provocariam tanto medo de perda de renda e de patrimônio, como provocam a esta altura. A corrida cambial só não ocorreu antes porque o mundo esteve – e continua – encharcado de moeda. Mas não dá para contar indefinidamente com esse maná cuja fonte não se controla.
Portanto, a falha básica é nossa. Enquanto ela não for equacionada, a economia continuará vulnerável a mudanças de clima. Isto posto e se levando em conta que tão cedo as mazelas não estarão sanadas, cabe perguntar até onde vai o dólar e quais as consequências.
Não há resposta convincente à primeira questão. Os empresários, que sempre se queixavam do câmbio baixo demais, agora pedem estabilidade. E, no entanto, é condição inerente da política cambial adotada que a livre flutuação seja defesa contra movimentos de desconfiança: o próprio encarecimento do dólar deve ajudar a conter o aumento da procura. Nessas condições, o Banco Central só pode agir para evitar a excessiva volatilidade. Mas isso é pouco.
Mudar essa política cambial, aderir a alguma forma de câmbio fixo ou atrelado a um indicador (crawling peg) exigiria aceitar queima de reservas, condição que não pode ser recomendada enquanto os desequilíbrios de fundo da economia, a começar pelo rombo fiscal, não começarem a ser revertidos.
Uma consequência será o aumento da inflação. Outra, o avanço em reais da dívida feita em moeda estrangeira – e há US$ 308 bilhões nessas condições. Esse problema atinge os Estados, que devem cerca de US$ 30 bilhões, e as empresas, especialmente as que não fizeram hedge (defesa) contra a disparada.
A alta do dólar produz, também, perda de valor (em dólares) dos ativos brasileiros. Empresas, imóveis, patrimônio financeiro e moeda nacional se tornaram pechincha para investidores estrangeiros. Os pretendentes, e não apenas os chineses, já rondam as futuras presas.
E outra consequência é mais aflição que, por sua vez, poderá influenciar o próprio resultado das eleições.
CONFIRA
» A Argentina derrete
Dose dupla e duplo contra-ataque do banco central da Argentina à crise aguda de confiança. Depois de elevar os juros básicos de 45% ao ano para 60% ao ano, o banco central despejou meio bilhão de dólares para tentar conter a corrida à moeda estrangeira. Ainda assim, a reação do mercado foi tímida. A cotação do dólar, que havia chegado aos 18,60 pesos no início do ano, fechou a 37,96 pesos. Essa turbulência acontece mesmo com a intervenção do FMI. Reverter essa enxurrada parece cada vez mais difícil.