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O mito do superaquecimento

Por ANTONIO C. DE LACERDA
Atualização:

Há em alguns setores uma preocupação exagerada e infundada a respeito do risco de um alegado superaquecimento da economia brasileira que não se sustenta à luz da interpretação dos indicadores. O comportamento das vendas no comércio varejista ampliado aponta um crescimento robusto, de 9,6%, no acumulado de 12 meses. No entanto, além do efeito estatístico da base de comparação muito baixa dos primeiros meses do ano anterior, há o impacto do estímulo proporcionado pela redução de impostos em setores como móveis e automóveis, por exemplo. Ambos os efeitos serão amenizados nos próximos meses, na medida em que a base de comparação for maior e também refletir o final da vigência de medidas de incentivo ao consumo. A expansão do crédito, outro fator de impulso das vendas, também mostra sinais de esgotamento, pela própria limitação da capacidade de endividamento dos consumidores. Portanto, o ritmo vai gradualmente refluir.Já na indústria o quadro é bem diferente. Nos 12 meses acumulados até março, comparativamente aos 12 meses imediatamente anteriores, a produção física da indústria, calculada pelo IBGE, ainda apresenta queda (sic) de 1,2%! A indústria mergulhou profundo na crise e o vale foi o 1.º trimestre de 2009. Desde então, vem-se recuperando, mas ainda não voltou aos níveis pré-crise. De forma estratificada os dados são ainda mais impactantes. A produção de bens de capital, pelo mesmo critério, apresenta diminuição de 10%! Embora haja a perspectiva de crescimento industrial forte para 2010, nada indica um quadro de crescimento excessivo.Não há, por outro lado, um risco de esgotamento da capacidade industrial. O nível de utilização da capacidade industrial, da Confederação Nacional da Indústria (CNI), vem de fato crescendo mês a mês. Os dados refletem uma pesquisa realizada com as indústrias sobre o quanto estão utilizando da sua capacidade instalada. O indicador é proveitoso, mas precisa ser qualificado, por três motivos principais: As empresas têm capacidade de ampliar rapidamente a sua capacidade de produção, sem grandes novos investimentos. Isso se dá mediante adaptações nas linhas de produção, modernização e, o mais importante, adoção de turnos adicionais e trabalho em períodos ociosos, como horário noturno ou fins de semana; é muito difícil sistematizar e confrontar a análise da fotografia do uso da capacidade instalada com os novos investimentos em realização e previstos, de forma a indicar qual a nova capacidade de produção que poderá ser atingida no médio prazo; e o coeficiente de importação vem aumentando, o que altera a estrutura da base produtiva, portanto gerando mais espaço para crescimento.Conjunturalmente, há ainda um fator de enorme incerteza, que é o desdobramento da crise na Europa e seus impactos para o Brasil. Há pelo menos três aspectos significativos: 1) do lado comercial, com o bloco europeu crescendo menos, isso vai impactar diretamente 22% das nossas exportações para lá direcionadas; 2) a redução dos fluxos de capitais, leia-se investimentos diretos, inversões na Bolsa de Valores e financiamentos, que farão diminuir a liquidez no mercado brasileiro; e 3) uma queda nos preços, especialmente das commodities.Há muitas variáveis em jogo, muitas delas imponderáveis. O risco envolvido é o de exagerar no freio de mão, quando as condições da pista já envolvem, seja pelos efeitos estatísticos, seja pela mudança brusca das condições meteorológicas, uma redução natural da velocidade média do veículo.O Banco Central do Brasil terá de ter muita perícia para tomar decisões sobre taxas de juros e outros que só farão efeito para o nível de atividades daqui a cinco, seis meses. Para isso, terá de olhar menos para o retrovisor - os indicadores passados - e mais para o para-brisa um tanto nebuloso à frente, o que lhe vai exigir muito feeling, intuição. Os dados passados ajudarão pouco e as variáveis têm mudado substancialmente.ECONOMISTA, É PROFESSOR-DOUTOR DO DEPARTAMENTO DE ECONOMIA DA PUC-SP. E-MAIL: ACLACERDA@PUCSP.BR

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