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O mundo está deprimido, mas longe de estar arruinado

Por JIM O?NEILL
Atualização:

No mês de agosto surgiram evidências inequívocas de uma forte desaceleração da economia dos Estados Unidos e, antes, já havia claras indicações de uma certa moderação na atividade econômica da China. Isso tudo voltou a provocar muitos temores familiares para os participantes e observadores do mercado financeiro. Diante da grande influência das duas economias no mundo, na década passada, não surpreende que esses receios sobre a sustentabilidade da recuperação mundial pós-crise voltem a ser a primeira preocupação do mercado. Contudo, existem inúmeros aspectos chave que devem limitar uma tendência de queda dos mercados de ações e dos ativos "de risco". Na realidade, em algum momento antes do fim do ano podem surgir condições para uma recuperação dos mercados.Nós achamos, e mantivemos isso durante o ano todo, que, embora a economia americana deva enfrentar dificuldades durante alguns trimestres à frente, a probabilidade de uma nova recessão ainda é modesta. Para o resto do mundo, as condições financeiras dos Estados Unidos são mais importantes do que a sua economia. Historicamente, sabemos que 100 pontos base no FCI - índice das condições financeiras dos Estados Unidos - representam geralmente uma medida de 0,6% no resto do PIB mundial. Nesse aspecto, a resposta política dos Estados Unidos a um desempenho da economia americana com tendência de queda é mais importante do que a própria economia dos Estados Unidos. Se a economia mostrar o desempenho que esperamos, nossa previsão é de que o Federal Reserve adotará novas medidas para estimular as condições financeiras.Na China, aguardamos novas evidências de uma diminuição do ritmo de crescimento do produto interno bruto (PIB). Mas, ao contrário dos Estados Unidos, essa desaceleração vem sendo induzida deliberadamente, com um aperto das condições financeiras. Nas últimas semanas, surgiram evidências de que Pequim se prepara para reverter essas medidas, agora que as pressões inflacionárias estão sob controle. Esperamos, assim, um crescimento mais forte do PIB chinês em 2011, conduzido pela demanda doméstica, e prevemos um crescimento real do PIB de 10%.Enquanto muitas outras nações desenvolvidas ainda estão com problemas pós-crise e devem enfrentar alguns anos de contenção fiscal, nem todas estão em grandes dificuldades. Na verdade, uma das surpresas do verão (no Hemisfério Norte) foi o fortalecimento da economia alemã. O índice IFO que mede a confiança das empresas da Alemanha, divulgado há duas semanas, sugere que esse atual ímpeto vai colaborar para os dados do PIB do segundo trimestre, e sugere também um risco de os resultados serem melhores do que as nossas previsões (e as previsões de consenso).Quanto ao resto do mundo, muitas grandes economias emergentes continuam a mostrar um bom desempenho e, em muitos casos, alguma perda de ritmo será puramente resultado de apertos políticos que, ao contrário do que ocorre nos países desenvolvidos, será algo facilmente reversível.Diante desse cenário de valorizações razoáveis e um ágio de risco sobre as ações um pouco alto, achamos que, quando as bolsas se convencerem de que os Estados Unidos não entrarão numa recessão plena e que a China vai se fortalecer, os mercados acionários e os ativos de risco no geral vão se recuperar. Medidas consistentes devem ser adotadas em outros mercados, incluindo o cambial. Pode levar algum tempo até que essa clareza transpareça, e não será nenhuma surpresa se alguma fragilidade ainda se verificar nos mercados nas próximas semanas.Nossas últimas previsões para o PIB mundial. Durante o verão, realizamos uma série de revisões nos nossos prognósticos para o PIB, baixando a nossa previsão para o PIB real dos Estados Unidos para o segundo semestre deste ano, o que foi especialmente importante, uma vez que ela já parecia estar "abaixo do consenso". Previmos um crescimento do PIB global, real, de 4,8% para este ano e de 4,6% para 2011. Parece que ainda ficamos "acima do consenso" para 2011, apesar da nossa posição sobre os Estados Unidos. Neste aspecto, ainda estamos no campo do "descolamento", na medida em que acreditamos que um forte crescimento pode persistir em outras partes do mundo, não obstante a apatia persistente da economia americana.O consumo entre os países do Bric. Um dos problemas sérios na atual situação é a futura trajetória dos gastos do consumidor no mundo em desenvolvimento. Como se observa pelos próprios dados de consumo de muitos países, e cada vez mais pelas vendas e receitas de muitas multinacionais, a demanda parece bastante robusta em muitos desses países. No entanto, muitos participantes do mercado financeiro e, na verdade, muitos responsáveis políticos ocidentais, acham que isso não é suficiente para contrabalançar a debilidade da economia dos EUA. O que consideramos um erro, supondo que nossa tese sobre a China esteja correta.Segundo as nossas estimativas, o volume de consumo, em dólares atuais, nas economias do Bric está em torno de US$ 4 trilhões e, no caso da China, chega a menos da metade, aproximadamente US$ 1,8 trilhão. Embora observadores mais céticos sublinhem corretamente que se trata de um montante muito modesto comparado com os US$ 10,5 trilhões calculados para o consumo nos EUA, o que não se leva em conta é a rapidez com que o consumo vem crescendo entre os países do Bric.Com base na média ponderada do valor do seu consumo atual, em dólar americano, esses países vêm registrando um crescimento de cerca de US$ 600 bilhões de compras adicionais. Se essa trajetória for mantida à taxa atual de aproximadamente 15%, rapidamente se chegará a mais de US$ 1 trilhão por ano em meados da década, e no final dela, o nível de consumo nesses países poderá se comparar ao dos Estados Unidos.Este é um aspecto chave dos prognósticos para o restante de 2010 e mais à frente. Se o futuro confirmar nossas previsões, as atuais preocupações com uma desaceleração da economia mundial, liderados pelos Estados Unidos, acabarão sendo infundadas. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

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