Como o Magazine Luiza se tornou a maior varejista na Bolsa brasileira

Companhia fundada em 1957 virou 'queridinha' dos investidores, segundo analistas, ao oferecer plataforma a milhares de outras empresas

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Por Fernando Scheller
4 min de leitura

Quem trabalha com marketing digital é familiarizado com o conceito “teste AB” – estratégia para definir, rapidamente, qual opção de layout ou condição de oferta é mais simpática ao cliente. Seis décadas antes do conceito se popularizar, a ex-balconista Luiza Trajano Donato, prestes a abrir sua primeira loja em Franca, sabia de uma coisa: não queria usar o nome herdado do dono anterior – A Cristaleira. Decidiu, então, sortear um sofá e dar algumas opções aos ouvintes da única rádio da cidade paulista para batizar sua loja. O vencedor? Magazine Luiza.

“O marketing sempre correu em nossas veias, mesmo quando a gente não tinha dinheiro para marketing”, diz Luiza Helena Trajano, sobrinha da fundadora e responsável pelo crescimento do negócio, iniciado em 1957, pelo Brasil. 

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A primeira loja do Magazine Luiza, em Franca Foto: Magazine Luiza

Foi a partir dos anos 1970 que a empresa começou a se expandir: primeiro, passou a ocupar um imóvel mais nobre – uma antiga agência do BB – em Franca. Depois, aventurou-se no Triângulo Mineiro e, em seguida, abriu caminho pelo interior paulista. Essa primeira fase de expansão começou por Barretos e culminou, em 1983, com a inauguração simultânea de três lojas em Ribeirão Preto. Foi um ensaio para a chegada do Magazine Luiza – ou, para quem preferir, apenas Magalu – à capital paulista, 25 anos mais tarde, com 50 lojas em um só dia.

Comendo pelas beiradas, do interior às cidades de grande porte, e adquirindo uma dúzia de rivais pelo caminho, o Magazine Luiza se tornou, de longe, a varejista mais valorizada do Brasil. No último dia 5, avaliada em R$ 178,4 bilhões, tornou-se a sexta companhia mais valorizada da Bolsa paulista, superando o banco Bradesco. Antes disso, já havia deixado dois gigantes financeiros para trás: Banco do Brasil e Santander Brasil. Em um país em que instituições financeiras, estatais e indústrias sempre dominaram a preferência dos investidores, a ascensão da varejista é considerada um marco por analistas.

O resultado também representa uma adequação do Brasil aos novos tempos, pois gigantes do e-commerce, como a americana Amazon e a chinesa Alibaba, figuram há anos entre as principais escolhas dos investidores lá fora. De olho principalmente no modelo chinês, o Magalu criou um ecossistema que, além de produtos, inclui uma caixa de ferramentas para outras empresas se digitalizarem, com soluções de pagamento, logística e marketing. Só neste ano, a empresa fez nove aquisições para ampliar seu escopo, entre elas o site de livros Estante Virtual e a InLoco Media, startup de publicidade digital.

Magazine Luiza criou sistema que inclui finanças, logística e marketing Foto: Leandro Fonseca / Magazine Luiza

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O “pulo do gato”, segundo especialistas, está no aluguel dessa plataforma de serviços a outras empresas. Segundo Herbert Steinberg, da consultoria Mesa Corporate, especializada em cultura corporativa, trata-se do primeiro grande movimento de inovação do Magalu. Para ele, até aqui, a empresa fez de forma competente o “feijão com o arroz” do comércio, mas agora tem chance de levar o mercado a outro patamar. É essa expectativa que alimenta a valorização do negócio na Bolsa. “A imagem de ‘first mover’ (de pensar à frente do mercado) colou no Magazine Luiza. E eles souberam usar os recursos e aproveitar a oportunidade para investir em tecnologia”, diz Steinberg.

Mercado volátil

O apoio do mercado financeiro à empresa nem sempre foi incondicional. Longe disso. Não muito tempo atrás, em 2015, os papéis do Magazine Luiza chegaram a valer R$ 0,50. À época, pregava-se que as varejistas separassem a operação da loja física do e-commerce. Mas o Magalu bateu o pé e se negou a seguir a recomendação. 

E quem segurou o rojão da decisão, enquanto a companhia da família via seu valor derreter, foi o atual presidente, Frederico Trajano, filho de Luiza Helena, que havia chegado ao Magalu em 2000 para implantar o e-commerce. “Dadas as peculiaridades brasileiras, como dificuldades logísticas e altos impostos, ficou claro para mim que o e-commerce puro nunca daria lucro”, afirma. O tempo provou que a estratégia era correta: a Via Varejo, dona da Casas Bahia e do Ponto Frio, que havia separado os negócios digitais em 2015, teve de voltar a uni-los.

Assim como não se desesperou quando o mercado parecia apostar em seu fracasso, o Magazine Luiza agora parece decidido a não se deslumbrar com a injeção de confiança – e de recursos – que recebe por meio de suas ações. Luiza Helena lembra que, há cinco anos, nenhum dos acionistas da família jamais telefonou para cobrar os gestores pelo desempenho pífio dos papéis. Pelo contrário: a família comprou ações para dar apoio à estratégia definida. “A gente acreditava no trabalho que estava sendo feito”, lembra.

A mesma regra vale, agora, para os tempos de bonança. Embora admita que ser a coqueluche do mercado traga reconhecimento à marca e ânimo à equipe, Frederico diz que as decisões estratégicas não são pautas pelo humor da Bolsa. “Nem naquela época a gente se achava a pior empresa do mundo nem agora a gente se acha a última bolacha do pacote”, afirma.

Empreender é preciso

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Ao começar a se expandir, nos anos 1970, o Magazine Luiza estabeleceu dois pilares que norteiam a empresa até hoje. A primeira dessas regras proíbe que “agregados” – maridos, esposas, cunhados, genros e noras – exerçam cargos na empresa familiar. E a segunda foi evitar um erro comum em empresas nascentes: misturar o dinheiro da empresa ao de seus donos.

Mas, segundo Frederico Trajano, um outro aspecto, aparentemente oposto a esses cuidados, também caracterizou o Magalu praticamente desde a sua gênese: a mentalidade de startup. “Minha tia e minha mãe sempre pensaram fora da caixa. Não tiveram medo de errar. E eu só voltei para o Magalu porque sabia que não havia resistência a mudanças.”

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