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O nome do jogo

No comércio internacional dos dias atuais, o Brasil terá de saber lidar com sua dualidade e seu destino

Por Josef Barat
Atualização:

O princípio das vantagens comparativas de David Ricardo permite entender por que o comércio entre dois países pode ser benéfico a ambos, mesmo quando um deles é mais produtivo na fabricação de uma gama mais ampla de bens. O que importa, na verdade, não é o custo absoluto da produção, mas os níveis de produtividade do país ao produzir bens exportáveis. Este conceito, formulado por Ricardo nos primórdios do século 19, ainda é relevante para a teoria moderna de comércio internacional. Quando o país produtor necessita de uma quantidade menor de insumos para produzir um bem, passa a ter uma vantagem absoluta na sua produção e exportação. É natural, portanto, que países concentrem seu comércio em nichos baseados nessas vantagens. Beneficiam-se da especialização em setores nos quais são mais eficientes para comercializar seus produtos.

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O século 19 foi palco de ampla abertura do comércio internacional, especializações produtivas e relações de troca favoráveis a todo tipo de produto. A abertura de mercado em escala nunca vista, a quebra do comércio mercantilista entre metrópoles e colônias e a navegação marítima a vapor encurtando distâncias deram suporte às especializações, às vantagens comparativas e estimularam as vantagens absolutas pelo aumento de produtividade. A Revolução Industrial e os avanços da ciência e da tecnologia tornaram a Inglaterra, a Europa Ocidental e, posteriormente, os EUA países em rápida industrialização e urbanização. A maioria das antigas colônias, entre elas o Brasil, tornou-se supridora de matérias-primas e alimentos. A relação de trocas entre a exportação de sacas de café em grãos e a importação de bens industriais, porém, era vantajosa e permitiu um forte desenvolvimento para o Brasil.

O problema estava no fato de serem matérias-primas e alimentos vulneráveis a fatores climáticos, oscilações de preços e reduções abruptas na demanda. A Grande Depressão de 1929, que se estendeu pelos anos 30, mostrou isso ao fazer desmoronar o comércio internacional e atingir gravemente os países exportadores de produtos primários. Um dos efeitos da Depressão foi o fechamento das economias e a prevalência da ideia de buscar a produção interna a qualquer custo. Contestava-se, portanto, o princípio das vantagens comparativas, que acabou por se tornar o bode expiatório da crise. O fechamento da economia, a redução da importância relativa do comércio exterior, a industrialização a qualquer custo e a substituição de importações determinaram as mudanças no perfil econômico de muitos países, entre eles o Brasil. Protecionismo e reservas de mercado, este era o nome do jogo.

Mas os avanços da globalização, a fragmentação das cadeias produtivas e os fantásticos avanços tecnológicos nas comunicações e nas logísticas de suprimentos e distribuição trouxeram estímulos inéditos ao comércio exterior. As vantagens competitivas passaram a ser determinantes, e não mais apenas as vantagens comparativas. Uma onda vigorosa de trocas entre países deu início à quebra de barreiras e proteções. O comércio internacional se revigorou e os dilemas entre protecionismo e abertura tornaram-se mais agudos. Até onde a proteção excessiva tira o país do jogo da competitividade e até onde a abertura excessiva desconstrói sua estrutura produtiva? Esse é o dilema a ser enfrentado pelo Brasil.

Conseguirá uma das economias mais fechadas do mundo integrar-se ao mundo globalizado elevando níveis de produtividade e aumentando sua competitividade? Na verdade, teremos de lidar com dois tipos de parcerias comerciais. Uma, ao estilo do século 19 com a China – exportando matérias-primas (80% do total) e importando produtos industriais e com predomínio das vantagens comparativas. E outra, com os EUA, ao estilo do século 21, com predomínio das vantagens competitivas e exportando (hoje, quase 80% do total) e importando ampla gama de manufaturados, semimanufaturados. Para entrar no complexo jogo da produtividade industrial, o Brasil terá de saber lidar com sua dualidade e seu destino.

*ECONOMISTA, CONSULTOR DE ENTIDADES PÚBLICAS E PRIVADAS, É COORDENADOR DO NÚCLEO DE ESTUDOS URBANOS DA ASSOCIAÇÃO COMERCIAL DE SÃO PAULO

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