
15 de setembro de 2019 | 05h00
A China não quer a guerra comercial com os Estados Unidos, mas tampouco a teme. Na verdade, segundo Yang Wanming, embaixador da China no Brasil, a disputa não é direcionada a um país específico, mas sim a toda cadeia de valor global. “O objetivo (da Casa Branca) é usar o bullying e a máxima pressão para tirar o maior proveito”, disse.
Há oito meses no País, Yang viu a relação entre China e Brasil se estreitar. Ele afirma, porém, que o comércio entre os dois países tende a sofrer no médio e longo prazos. “A guerra comercial provocada pelos EUA arruinou a confiança do mercado internacional, aumentou o risco de recessão global, e economias emergentes, como a brasileira sofrerão consequências negativas.”
Nessas circunstâncias, afirma, é ainda mais importante que China e Brasil defendam a cooperação internacional e o multilateralismo. Em outubro, o presidente Jair Bolsonaro visitará a China. No mês seguinte, é a vez do presidente chinês, Xi Jinping, vir ao País, para a Cúpula do Brics. A seguir, os principais trechos da entrevista.
Ninguém sai vitorioso de uma guerra comercial. Toda a comunidade internacional, inclusive China e EUA, é vítima. A China é o maior parceiro comercial dos EUA, e vice-versa, e essa parceria tem sido mutuamente benéfica. Produtos chineses reduziram o custo de vida das famílias americanas. Já a razão do déficit comercial dos EUA com a China está na estrutura econômica do país. A Casa Branca diz que o comércio com a China causou prejuízo aos EUA e decidiu, unilateralmente, impor tarifas adicionais às exportações chinesas. O objetivo é usar o bullying e a máxima pressão para tirar o maior proveito (para si). Trata-se de uma violação grave das regras da OMC (Organização Mundial do Comércio), que prejudica o sistema multilateral do comércio e a ordem econômica mundial.
A China não quer uma guerra comercial, mas tampouco teme essa guerra comercial. Jamais cedemos em princípios essenciais. Em resposta à decisão de Washington, a China foi forçada a tomar contramedidas. Após a crise financeira de 2008, a China teve papel fundamental na manutenção da estabilidade financeira internacional e na promoção do crescimento econômico global. Atualmente, é a China que responde às pressões do protecionismo, defendendo o multilateralismo e o livre-comércio. Diante dos atritos que se alastram há mais de um ano, a China acredita que divergências e conflitos entre os dois países só serão resolvidos com diálogo e negociação.
A história e a realidade provaram repetidas vezes que a cooperação China–EUA é a única alternativa correta para os dois lados. A China sempre tem sido a favor de trabalhar com os EUA para construir relações pautadas na cooperação e na estabilidade. Mas isso exige que os dois lados busquem o mesmo objetivo. Os EUA devem perceber que só quando suas políticas externas e comerciais voltarem à trajetória correta e saudável é que serão preservados os interesses de longo prazo dos EUA e da comunidade internacional.
Não queríamos comentar a intenção dos EUA de iniciar a guerra comercial. O fato é que o atual governo, desde o início, segue a política ‘America First’ e adotou uma série de medidas unilaterais e protecionistas. Ao iniciar a guerra comercial contra a China, Washington usa as tarifas adicionais como ameaça para provocar atritos comerciais com seus principais parceiros, entre eles, o Brasil. Essa guerra comercial não é direcionada a um país específico, mas sim à cadeia global de valor, à confiança dos investidores e às normas e ordem internacionais.
Por algum tempo, os EUA mobilizaram o aparato estatal para difamar uma empresa chinesa e sua tecnologia 5G, sem nenhum fundamento. Até tentaram impedir outros países, como o Brasil, a desenvolver parceria com a Huawei. Seu objetivo é usar essa tecnologia como ferramenta para inibir o desenvolvimento de outros países e preservar seus privilégios. Isso impede a partilha dos dividendos da quarta revolução industrial, representado pela tecnologia 5G, uma inovação que tem impacto no progresso da humanidade. A China está disposta a compartilhar conquistas científicas e tecnológicas, como o 5G, com o Brasil e outras partes, sobre base de benefícios mútuos e ganha-ganha.
Neste momento, a China e os EUA concordaram em realizar a 13.ª rodada de negociações comerciais, em outubro. As duas equipes devem se preparar com seriedade para tentar alcançar avanços. A precondição para pôr fim a essa guerra é Washington abandonar suas práticas equivocadas.
No curto prazo aumentaram, de fato, as exportações brasileiras de soja para a China. No entanto, a longo prazo, o comércio China–Brasil será prejudicado com a guerra comercial. Primeiro porque ela danificou o sistema multilateral de comércio, arruinou a confiança do mercado internacional, aumentou o risco de uma recessão mundial e economias emergentes como a brasileira sofrerão. Segundo, porque a guerra enfraqueceu as cadeias de produção, suprimento e valor, trazendo incerteza à parceria sino-brasileira no médio e longo prazos. Nossos dois países são promotores e defensores do sistema multilateral de comércio e da economia mundial aberta. Na conjuntura atual, é ainda mais importante que China e Brasil defendam juntos a ordem do comércio internacional baseada na cooperação e protejam o multilateralismo.
A China sempre respeita a escolha da política externa do Brasil ou de qualquer outro país. Mas o fato é que a administração Bolsonaro, desde o início, tem mantido boa interação com o lado chinês. Em poucos meses de governo, o vice-presidente, Hamilton Mourão, fez uma visita bem-sucedida à China e reuniu-se com o presidente Xi Jinping. A visita iniciou o intercâmbio de alto nível e traçou planos para a cooperação pragmática bilateral em vários campos. As visitas de alto nível são tão frequentes que criaram um recorde no relacionamento bilateral. O presidente Bolsonaro fará visita de Estado à China em outubro e o presidente Xi Jinping virá aqui em novembro para a 11.ª Cúpula do Brics. Esses contatos colocarão a parceria estratégica China–Brasil em novo patamar.
Atualmente, as duas equipes estão intensificando os preparativos para garantir resultados frutíferos dessa viagem. Duas maiores nações em desenvolvimento nos Hemisférios Oriental e Ocidental, China e Brasil, têm grande potencial e amplo espaço de cooperação.
É um assunto interno dos EUA e a decisão cabe ao povo americano. Mas, independentemente de quem seja o presidente, se ele conseguir promover a relação entre EUA e outros países baseado no respeito mútuo, tratamento igual e benéfico a todos os lados, a relação vai ser saudável. Mas se os EUA continuarem com a mentalidade de hegemonia e o bullying com outros países, com medidas unilaterais para o próprio proveito, não só as relações entre os EUA e outros países vão ser prejudicadas, mas também a economia e o comércio mundial. Os EUA são o maior país do mundo e o mais potente. Eles devem tomar medidas externas mais responsáveis e saudáveis.
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