EXCLUSIVO PARA ASSINANTES
Foto do(a) coluna

Jornalista e comentarista de economia

Opinião|O outro lado desta guerra

Está errada a avaliação de que esse cabo de guerra entre Estados Unidos e China se restrinja às relações comerciais

PUBLICIDADE

Foto do author Celso Ming
Atualização:

Ainda está para se saber se esta é de fato uma grande guerra comercial que está para ser travada entre os Estados Unidos e a China ou se são apenas escaramuças destinadas a criar clima favorável à negociação de um acordo com certas concessões de parte a parte.

Mas está errada a avaliação de que esse cabo de guerra se restrinja às relações comerciais e, eventualmente, também a determinadas jogadas políticas internas e externas.

Encontro entre o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e o líder chinês, Xi Jinping, em 2017. Foto: Doug Mills/The New York Times

PUBLICIDADE

As queixas do presidente Trump são de que a China vem tirando grande proveito por exportar aos Estados Unidos mercadorias a baixíssimo custo de produção, porque trapaceia em pelo menos três áreas de negócios: paga salários insignificantes a seus trabalhadores; opera no comércio exterior com um câmbio artificialmente desvalorizado, o que tira competitividade ao produto norte-americano; e pirateia alta tecnologia e direitos de propriedade intelectual.

O resultado que esse estado de coisas produz, argumenta o presidente Trump, não é apenas o enorme superávit comercial que beneficia a China em detrimento dos Estados Unidos (veja os gráficos), mas, também, a migração de empresas para a China, com o objetivo de operar a custos baixos. E, também, o desemprego crônico provocado nos Estados Unidos, com proporcional redução de salários.

Este é também o diagnóstico dos eleitores de Trump, que se ressentem dessa que entendem como concorrência desleal da China. Assim, as novas políticas de Trump têm por objetivo atender a essa crescente insatisfação das classes médias, as mesmas que também defendem a adoção de políticas agressivas contra os imigrantes e adventícios que, segundo eles, invadem o mercado de trabalho dos Estados Unidos, para aviltar os salários de quem trabalha duro há tantos anos.

Publicidade

No entanto, é grave equívoco restringir os conflitos apenas à área comercial. Durante os últimos 30 anos vigorou um arranjo, mais tácito do que explicitado nos tratados, em que a China assumiu o papel de fornecer produtos mais baratos e de cada vez melhor qualidade para o consumidor dos Estados Unidos e, com o que faturou, formar enormes reservas técnicas em dólares, automaticamente aplicadas em títulos do Tesouro dos Estados Unidos.

Na prática, a China não se limitou a fornecer mercadorias a custos mais baixos, mas, também, passou a ser importante financiador do déficit orçamentário dos Estados Unidos, na medida em que o Tesouro só emite títulos para cobrir déficits fiscais. Se o rombo comercial dos Estados Unidos com a China passar a ser zerado, como pretende o presidente Trump, não poderá ser desprezado o efeito a ser produzido na demanda por títulos de dívida dos Estados Unidos hoje atendida pela China. E isso acontece numa conjuntura em que o presidente Trump derrubou os impostos para as empresas americanas, fator que deve aumentar o déficit orçamentário nos próximos anos.

Em outras palavras, Trump não está apenas tentando restabelecer o poder de fogo comercial dos Estados Unidos em cumprimento de sua palavra de ordem “put America first”. Ameaça, com isso, desarticular a outra ponta do arranjo que até aqui vinha equacionando o equilíbrio das finanças públicas dos Estados Unidos.

Em princípio, uma quebra relevante da demanda por títulos do Tesouro dos Estados Unidos deve aumentar os juros (sobre operações em dólar) o que, por sua vez, tende a produzir valorização do dólar em relação às outras moedas e, portanto, perda de competitividade do produto americano nos Estados Unidos e em todo resto do mundo. Só não estão claras as proporções em que esses ajustes acontecerão.

Opinião por Celso Ming

Comentarista de Economia

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.