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'O pacote de investimento no País não corre risco'

Para executivo do grupo francês, montadora está 'condenada' a ter sucesso com suas operações fora da Europa

Por ANDREI NETTO , CORRESPONDENTE e PARIS
Atualização:

O grupo PSA Peugeot-Citroën atravessa na França e na Europa uma das piores crises de sua história. Isso não significa, porém, que a companhia, um florão da indústria francesa, tenha perdido a pose. Na 81.ª edição do Salão do Automóvel de Paris, a marca do leão mostra uma ambição renovada, não apenas para o seu mercado de origem, mas principalmente para os emergentes. E, entre os países em forte crescimento, o Brasil e a América Latina têm uma importância vital, garante o diretor-presidente do grupo para a região, Carlos Gomes. Prova disso é que, em meio à turbulência severa, os investimentos previstos para o País até 2015 - consideráveis R$ 3,7 bilhões - seguem intocáveis.

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Além de manter o caixa em movimento, Gomes assegura que a política de renovação dos produtos oferecidos vai continuar, e sempre seguindo a lógica de perseguir o consumidor de classes A e B, novo foco das duas empresas. O Citroën C3 já fez sua estreia e, em 2013, três novos carros, os Citroën DS4 e DS5 e o Peugeot 208 chegarão ao mercado. Na entrevista a seguir, concedida ontem durante o Salão do Automóvel, Gomes fala sobre a crise da companhia, sobre o desenvolvimento no Brasil, sobre novos produtos e sobre o novo regime automotivo, o novo marco regulatório da indústria automotiva no País:

O sr. é responsável pelas atividades na América Latina, mas como analisa o fechamento da fábrica de Aulnay (na França) e o que ela representa para o grupo?

Não tenho mais comentários do que aqueles que já foram feitos pelo nosso presidente Philippe Varin. Ele explicou bastante bem a origem desta crise para o grupo. O mercado europeu está maduro, ou seja, há poucos novos consumidores que compram automóvel. É um mercado que cresceu 25% nos últimos cinco anos, fundamentalmente na Europa do Sul. A crise impactou de forma importante as perspectivas do grupo. Por outro lado, há uma guerra de preços importante. E por último, as fábricas estão globalmente em um nível de produção bastante baixo, de 80%. O grupo tinha de formular uma resposta. A escolha foi encerrar a produção em Aulnay. Eu diria que o grupo foi muito claro nas modalidades de encerramento das atividades. O presidente do diretório assumiu determinados compromissos com os trabalhadores e com o Estado, mas também foi muito firme na decisão da estratégia. Não há retrocesso possível nessa matéria, e depois de uma primeira tempestade, as coisas estão se estabilizando.

Essa sobrecapacidade instalada se reflete no Brasil também?

Não. O automóvel é uma indústria que tem muitas particularidades. Uma delas é que você pode conceber em nível mundial. A outra é que não se pode produzir em nível mundial. Pode em pequenos aportes de volume. As necessidades europeias não podem ser analisadas em função das necessidades do mercado sul-americano. Uma coisa são as fábricas europeias, outra, as sul-americanas. Umas não podem trabalhar para as outras, a não ser marginalmente. Nós importamos veículos da Europa. Neste ano, serão uns sete mil carros, que representam menos de 10% das nossas vendas no Brasil.

Essa crise representa algum tipo de risco para os investimentos da PSA Peugeot-Citroën no Brasil?

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Hoje, o plano de investimentos que foi comunicado à presidente Dilma Rousseff no ano passado está em seu curso. Lançamos o C3 agora, vamos lançar o 208 daqui a alguns meses. Estamos fazendo o aumento da capacidade produtiva de 29 para 40 veículos por hora. O pacote de investimentos no Brasil não está em risco, uma vez que já está lançado. Agora, obviamente que dizer que uma situação difícil para o grupo não impacta em nada as decisões não seria uma resposta correta. Se a crise se prolongasse, mais tarde, nos outros pacotes de investimentos, poderia eventualmente se refletir. Mas hoje não é o caso. Até 2015 temos a nossa linha de investimentos bem definida.

Então, até 2015, os investimentos estão garantidos?

Garantidos e em marcha, até porque a crise que vivemos tem a ver com a fraca presença que temos nos mercados mundiais e na internacionalização. O grupo está condenado a ter êxito nos mercados fora da Europa. Não podemos comprometer os investimentos. Podemos eventualmente ser inteligentes na forma como os fazemos, para otimizá-los. Mas não podemos comprometê-los, porque isso comprometeria nosso futuro.

Esses investimentos somam quanto até 2015?

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Um total de R$ 3,7 bilhões entre 2010 e 2015, cerca de R$ 525 milhões por ano. Tínhamos passado o primeiro pacote no final de 2011, logo, estamos com mais da metade investido.

Para encerrar o capítulo da crise, o sr. acha que a crise traz algum prejuízo para a marca PSA Peugeot-Citroën no Brasil?

Eu acho que não. Nem sequer na Europa. O consumidor hoje sabe diferenciar muito bem as questões de branding e as questões de empresa. O Brasil olha para a Europa como um bom problema. O consumidor sabe que não é só a PSA que tem problemas. Muitas empresas têm problemas na Europa, vão ser obrigadas a iniciar planos de reestruturação pesados e a adaptar-se à nova conjuntura. Não vejo como isso possa ter tido algum impacto com nosso consumidor. Pelo contrário, lançamos no último mês o novo C3, um carro fantástico, ainda mais moderno que o C3 europeu, com um acabamento extraordinário. É isso que o cliente quer. O êxito do C3 me leva a crer que essa questão tem pouca importância no Brasil.

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Sobre o acordo operacional com a General Motors, alguma ideia do impacto e das sinergias que podem resultar no Brasil?

A aliança tem pilares muito claros. Um deles são as compras, outro, os problemas conjuntos, e o terceiro, o acordo para as atividades logísticas na Europa e Rússia. O capítulo das compras é o que poderemos começar mais rapidamente a nossa colaboração na região. Nós compramos cerca de 1,5 bilhão na zona da América Latina, e eles compram cerca de 7 bilhões. Portanto, assim que as leis forem aprovadas nos diferentes países e que tivermos constituída as joint ventures, poderemos trabalhar juntos.

Sobre perspectivas no Brasil: o senhor mencionou o lançamento do C3 e do Peugeot 208. Tem carros novos chegando em um mercado que nem sempre está atualizado o suficiente no Brasil. Qual a perspectiva desses dois veículos no Brasil?

Nós temos uma leitura diferente de outros construtores no mercado brasileiro. A maior parte das montadoras cresceu ou veio ao País atraídas pela exploração de veículos populares, de base. A nossa perspectiva é diferente. Para além do fenômeno do crescimento da classe C, há o crescimento das classes A e B. Nas classes A e B estão 45 milhões de pessoas, as maiores responsáveis pela compra de automóveis no Brasil. Nosso planejamento é para eles. O lançamento do C3, ainda mais moderno que o carro europeu, e o novo 208 fazem com que tenhamos uma proposta voltada ao consumidor moderno, que não quer ficar criticando aquilo que não se traz da Europa.

Mas isso custa caro. Tem um impacto em termos de preço.

Tem. O consumidor quer carros mais modernos, mas tem de pagar mais por isso. Simples.

O sr. acha que se justifica a diferença de preço do DS3 na França, que chega ao mercado em torno de 13 mil, e no Brasil, de R$ 79 mil? É só imposto?

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É claro que se justifica. É imposto. Ele tem um preço mais baixo que o Mini, muito mais barato que o A1. Estamos perfeitamente tranquilos quanto a isso. Um carro paga 35% de direitos de importação, mais 30% de IPI. Veja a quantidade de imposto que estão em cima do automóvel. Não é possível fazer mais barato hoje, nas condicionantes tributárias atuais. O C3, que fabricamos lá, chega a R$ 39 mil. Temos o custo Brasil - é mais caro produzir no País do que eu todas as outras regiões do planeta -, por tributação, logística, matérias-primas…

O 208 vai chegar, o C3 já chegou. Que anúncios o sr. pode fazer aqui?

Nenhum. Disse que iríamos lançar 15 produtos até 2015 e já estamos no meio do caminho. Não sei dizer, mas o C3 foi o oitavo ou nono produto que lançamos. Temos ainda uma série de lançamentos importantes a fazer. No Salão de São Paulo apresentaremos o DS4, o DS5 e o 208. Vamos continuar em 2013 e 2014 a renovar completamente nossa gama. É uma oferta totalmente europeia que o consumidor tem à sua disposição.

Qual seria o melhor concorrente para o Ford EcoSport ou o Renault Duster: o C4 Aircross ou o novo Peugeot 2008, conceito apresentado aqui em Paris?

Não sei. O 2008 é um tipo de automóvel que vai agradar um espectro muito largo de clientes. Quem compram PSA no Brasil não se coloca como opção comprar um Renault. Estamos muito afastados dessa clientela. Mas esse é o filão interessante. O 2008 vai nessa perspectiva. Mas só a produção no Brasil seria interessante.

Esse aumento de status serve bem ao Brasil? O mercado low cost (baixo custo) não interessa?

O que se verifica no mundo é a bipolarização entre o low cost e o premium. Todas as empresas têm de fazer suas opções. Nós fizemos a nossa. As duas não são compatíveis, o que os construtores alemães nos mostram.

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Então o sr. descarta o investimentos em low cost no Brasil?

Sim, totalmente.

Sobre o regime automotivo: o que muda para vocês, em termos de previsibilidade de investimentos e de estabilidade do mercado?

O fato de haver um marco regulatório é muito positivo. Dá uma visão serena, robusta, o que é muito importante para nós, industriais. Não somos uma empresa de serviços, que pode mudar de um dia para o outro. Nossos investimentos são destinados a durar 20 anos. Temos fábricas na Europa que existem há mais de 50 anos. É claro que o marco regulatório tem seus desafios, como a maior eficiência energética. O anseio de mais know how desenvolvido na região é normal. A questão é distribuir no tempo.

Algo lhe incomoda nesse marco regulatório?

Eu diria que a questão energética, de fazer no Brasil o que foi feito na Europa em muito mais tempo, é um pedido difícil, não impossível, mas difícil. Vai ser um desafio.

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