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Economista e diretor-presidente da MCM Consultores

Opinião|O papel da política monetária

A falta das reformas não é a principal restrição hoje nem explica a lentidão com que a economia se recupera

Atualização:

A economia brasileira trabalha com enorme ociosidade. A demanda agregada nem sequer absorve o PIB potencial, ou seja, aquele que poderia ser produzido apesar de todas as deficiências estruturais.

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Por certo, avanços estruturais têm impactos positivos de curto prazo, principalmente via expectativas. Com a enorme ociosidade atual, que só deverá desaparecer no final de 2021, a falta das reformas não é a principal restrição atual e não explica a lentidão com que a economia vem se recuperando da última recessão, cujo vale ocorreu no 4.º trimestre de 2016.

O principal problema é que o mix de política econômica praticado desde 2017 tem se caracterizado por contração fiscal e política monetária restritiva, na melhor das hipóteses, neutra. Só a partir de julho deste ano é que o Banco Central (BC) parece ter compreendido isso, e retomou a trajetória de queda da taxa Selic.

Cálculos do economista Bráulio Borges, do Ibre/FGV, indicam que o resultado estrutural primário do governo geral – ou seja, o resultado recorrente corrigido pelo ciclo econômico, que é o relevante para analisar o impulso fiscal – vem melhorando expressivamente nos últimos dois anos. Em 2016, foi negativo em 1,6% do PIB; em 2017, caiu para -0,6% do PIB; e, em 2018, fechou positivo em 0,1% do PIB. É provável que volte a registrar valor positivo em 2019. Nada contra o esforço fiscal. No entanto, levando em conta que esta trajetória foi acompanhada por política monetária não estimulativa, não fica difícil de compreender a lentidão da atual recuperação.

Mas será que a política monetária não foi, de fato, estimulativa? Minha estimativa é de que a taxa de juro real neutra de curto prazo (aquela que equilibra a demanda agregada com a capacidade de produção da economia) encontrava-se, desde o início de 2017, na casa de 2,5% ao ano. Somente em março de 2018, com a Selic a 6,5% ao ano, é que o juro real se igualou ao neutro, tornando, então, a política monetária neutra, não estimulativa.

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Muitos argumentam que cair o juro básico no Brasil é pouco eficaz, dado que o canal do crédito está obstruído, ou seja, as quedas da Selic não chegam ao tomador final de crédito. Há dois problemas com esse raciocínio.

Primeiro é que, além do crédito, há outros mecanismos pelos quais a política monetária afeta o nível de demanda agregada, a saber: 1) decisão entre consumo e investimento das famílias e empresas; 2) taxa de câmbio; 3) do preço dos ativos; e 4) expectativas. Quanto menor a taxa básica de juro, maior será o estímulo aos agentes econômicos para anteciparem suas decisões de gastos. Quanto à taxa de câmbio, tudo o mais constante, ela será maior quanto menor a taxa de juros. Moeda doméstica mais depreciada estimula a demanda agregada, elevando as exportações líquidas. Juros mais baixos também afetam o preço dos ativos (imóveis, ações), provocando efeito positivo sobre a riqueza e, daí, sobre os gastos dos agentes econômicos.

Segundo, não é totalmente verdadeiro que os juros para o tomador final não reagem às quedas da Selic. Se desconsiderarmos as carteiras de crédito rotativo dos cartões de crédito e os cheques especiais – duas modalidades sabidamente complicadas pela alta inadimplência –, notaremos que houve generalizada queda das taxas de juros para o tomador final, no segmento livre, entre outubro/2016, quando a Selic era de 14,25% ao ano, e julho de 2019, quando a Selic alcançava 6,50% ano. Seguem-se alguns exemplos de queda (sempre em taxas anuais): pessoas jurídicas, de 30,2% para 19,2%; pessoas físicas (aquisições de bens, exceto veículos), de 95,6% para 68,2%; crédito pessoal, de 54,6% para 43,9%; aquisição de veículos, de 25,8% para 20,3%.

Sem qualquer ameaça inflacionária, o governo errou no mix das políticas fiscal e monetária. Parece que finalmente colocou o trem nos trilhos. Oxalá siga nesta linha.

*ECONOMISTA, DIRETOR-PRESIDENTE DA MCM CONSULTORES, FOI CONSULTOR DO BANCO MUNDIAL, SUBSECRETÁRIO DO TESOURO NACIONAL E CHEFE DA ASSESSORIA ECONÔMICA DO MINISTÉRIO DA FAZENDA

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Opinião por Claudio Adilson Gonçalez
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