
09 de março de 2014 | 02h09
A inflação medida pelo IPCA existe desde janeiro de 1980. Portanto, há mais de 34 anos, a cada mês é informada a inflação por esse índice oficial. Fato relevante é que durante todo esse tempo em apenas duas ocasiões a inflação mensal de alimentos superou em todos os meses a inflação do mês durante 12 meses ou mais. Foi nos períodos de junho de 2007 a julho de 2008 e maio de 2012 a abril de 2013. Outra particularidade é que ao final do período nessas duas ocasiões a inflação acumulada em 12 meses havia quase alcançado o teto da meta de 6,5%.
Esse fato, no entanto, parece não ter sido observado pelo governo para combater essa inflação de alimentos. Abril de 2013, foi, também, o mês em que o Copom iniciou o ciclo ininterrupto de aumento da Selic, que saiu do mínimo histórico de 7,25% , situando-se com a última reunião em 10,75%.
2. Impacto fiscal. Esses 3,5 pontos de elevação trazem como consequência uma despesa adicional de juros por ano de R$ 109 bilhões. Neste ano, a meta de superávit primário do Governo Central (Tesouro Nacional, Previdência Social e Banco Central) corresponde a R$ 80,8 bilhões. Assim, todo o esforço a ser feito para atingir esse superávit primário já foi anulado pelo próprio governo. Enquanto isso, boa parte das análises só olham o resultado primário e não enxergam as despesas em ascensão com os juros.
3. Tese desperdiçada. Fora o impacto fiscal causado pelo governo com a elevação da Selic, a tese da presidente de que era possível trabalhar com uma taxa básica de juros real (excluída a inflação) de 2% caiu por terra. Durou apenas poucos meses.
Na época, chegou a ser considerado que, da mesma forma que Fernando Henrique Cardoso teve como marca de governo ter domesticado a inflação e Luiz Inácio Lula da Silva a marca da inclusão de mais de 30 milhões de brasileiros à classe média pelas políticas de transferência de renda, Dilma Rousseff teria como marca de governo a colocação da taxa de juro do setor público próxima ao nível internacional, rompendo com a péssima situação de ter o País uma das mais altas taxas básicas de juros há décadas. Esse recuo queimou o argumento de que é possível trabalhar com taxas de juros civilizadas e agradou os rentistas, que têm nessas elevadas taxas fonte importante de rendimentos.
4. Distribuição às avessas. Esse governo propala sua orientação com o slogan "desenvolvimento com inclusão" e prevê gastar neste ano R$ 25 bilhões com o bolsa família atendendo os mais pobres, mas destinou aos rentistas nos últimos 12 meses R$ 257 bilhões em juros, dez vezes mais. Quem paga essa conta é a população, por meio dos tributos. Assim, além de não conseguir desenvolver o País, desperdiçando seu potencial, o governo faz uma distribuição de renda às avessas.
5. Mobilidade. O que conduz o sucesso ou fracasso eleitoral é a disputa entre continuidade e mudança e, por enquanto, a presidente parece encarnar a continuidade que satisfaz a maioria da população, na qual os índices de inflação estão estacionados entre 5% e 6%, o desemprego está baixo e os salários reajustados pouco acima da inflação, em um céu de brigadeiro eleitoral. Além disso, Dilma conta com a vantagem de os candidatos anunciados não terem histórico relevante necessário para o pleito. Caso Marina Silva fosse candidata, o panorama poderia ser diferente.
Nesse cenário, a única ameaça em perspectiva é a piora da já saturada mobilidade urbana, caso seja colocada pelos seus adversários como ponto central da disputa. Nessa questão o governo federal pode ser responsabilizado pelo entupimento de carros nas principais metrópoles do País. Reduziu por longo período o IPI dos automóveis, levou a zero a Cide da gasolina e força a Petrobrás a subsidiar com prejuízo o preço da gasolina. Esse entupimento das vias atinge não apenas o transporte individual pelo longo tempo necessário ao deslocamento, mas principalmente o transporte coletivo, que, além de ser moroso, agride diariamente seus usuários cada vez mais espremidos em ônibus, trens e metrôs. E aí é que está o povão, decisivo nas eleições.
O que vem norteando a política do governo federal é, por enquanto, a inflação mantida na faixa em que está há vários anos. Nesse ponto o governo pouco tem a temer, pois continuará a manter o real valorizado segurando os preços dos bens comercializáveis (os que têm concorrência externa) e segurando os preços monitorados, especialmente energia e combustíveis. Continuará a usar a Petrobrás e a Eletrobrás para isso, sem se importar com os danos causados a essas empresas.
Também não é ameaça à presidente a ascensão do desemprego e a piora nos salários. Tende a continuar mais demanda do que oferta de mão de obra, mesmo com o baixo crescimento econômico existente e em perspectiva para este ano. A demografia colabora para isso.
Assim, só restou como possível ameaça a mobilidade urbana e o custo do transporte coletivo, que foi o que deflagrou as manifestações em junho do ano passado. A ação dos black blocs e a morte do cinegrafista atingido por um rojão podem esfriar novas manifestações, pois o que deu densidade ao movimento foram pessoas que viram a oportunidade de pacificamente participar do movimento pró-mudança nas condições de vida nas cidades e contra a corrupção que impregna o aparelho do Estado e o Legislativo (Congresso, Assembleias Legislativas estaduais e Câmaras Municipais).
A mobilidade vai piorar enquanto for subsidiada a gasolina estimulando o uso do automóvel, e pode ter seu ponto alto na Copa devido ao aumento de deslocamentos com a entrada de turistas e maiores movimentações por causa dos jogos. Essa piora pode ser o maior perigo e poderá influir na próxima eleição. A conferir.
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