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O PIB e a estrutura da economia

Por Paulo R. Haddad
Atualização:

Durante a crise de 1929, os governos dos EUA, da Inglaterra, da França e de outros países europeus se deram conta de que não dispunham de um sistema atualizado de informações para acompanhar a conjuntura econômica e as tendências de crescimento de suas economias. Frequentemente, surgiam informações desencontradas sobre o nível da atividade econômica. A produção, o emprego ou as vendas cresciam em determinado setor ou região, dando a impressão de que "o pior já estava passando" ou que "a crise era apenas de natureza transitória ou conjuntural e não estrutural". Não havia mecanismos de monitoramento para acompanhar os movimentos gerais dos preços nos seus países e regiões que permitissem avaliar a profundidade do processo deflacionário das economias. Pouco a pouco, sob as orientações conceituais das obras de Keynes e as diretrizes operacionais de Richard Stone, entre outros, foram se desenvolvendo indicadores de acompanhamento do ambiente macroeconômico de diversos países, através da organização de sistemas de contas nacionais. Até que as Nações Unidas assumiram a responsabilidade técnica para a normatização desses indicadores e para a sua sistematização nos países menos desenvolvidos, a partir dos anos 1950. Esses indicadores são tão importantes para o processo de tomada de decisões dos agentes econômicos que a sua frequência se tornou, para muitos deles, semanal ou diária. O PIB é a mais expressiva síntese de a quantas anda o crescimento econômico de um país ou de uma região. Apesar de atualmente estar sob forte desconfiança perante especialistas em desenvolvimento econômico, tanto pelo que deixa de medir (como os custos sociais e ecológicos do crescimento econômico) quanto pelo que efetivamente mede e apresenta como resultado do bem-estar social (assim, quanto maior o número de desastres e de catástrofes sociais maior será o crescimento do PIB induzido pelas atividades de reconstrução e de reparação), a evolução do PIB permite distinguir o que é flutuação suave na atividade econômica do que é recessão iminente. Desde setembro de 2008, é possível observar que há resultados diferenciados e desencontrados do desempenho da economia brasileira por setores, atividades e regiões. Basta, contudo, observar os impactos dos macropreços sobre os resultados para esclarecer o que ocorre. Se a taxa de câmbio sofreu uma maxidesvalorização, é de esperar, por exemplo, que os indicadores de desempenho do turismo interno cresçam no bojo de um processo de substituição de importações de bens e serviços em razão do encarecimento do dólar. Se o salário mínimo teve aumento real de 6% a 7% desde de fevereiro, é previsível que indicadores do comércio varejista mostrem sensíveis taxas de crescimento nas regiões em que é alta a dependência de políticas sociais compensatórias ou em que a estrutura produtiva se baseia de forma preponderante na mão de obra não qualificada ou semiqualificada (Nordeste e Centro-Oeste). Essas e outras taxas diferenciadas de crescimento setorial ou regional, decorrentes dos efeitos do alinhamento dos macropreços e dos preços relativos dos bens e serviços finais, podem criar ilusões sobre o tamanho da crise econômica que o País vive. Nesse sentido, uma compreensão mais adequada dos processos de interdependência estrutural da economia pode sinalizar melhor a origem e os mecanismos de transmissão da recessão para os subconjuntos de setores, atividades e regiões no lado real da economia brasileira. Trata-se de compreender a lógica circular da crise e seus desdobramentos. Neste caso, a economia deixa de ser considerada como um macroagregado de bens e serviços finais produzidos durante um período, para ser considerada como um conjunto orgânico de setores e regiões em um sistema de vasos comunicantes. Assim, uma queda nas exportações para a China das empresas localizadas no Vale do Aço, em Minas, pode ter impacto adverso sobre emprego e renda gerados por uma mina de cobre no Sudeste do Pará, assim como em uma fábrica de explosivos no interior de São Paulo. A partir de um sistema interdependente dos interesses econômicos de setores e regiões do País, pode-se entender melhor o processo de rápida desaceleração da economia brasileira que se está observando nas últimas semanas, o qual persistirá, embalado pela expectativa de que, pela sua natureza estrutural, a atual crise deverá ser longa, profunda e cadenciada. *Paulo R. Haddad, professor do IBMEC-MG, foi ministro do Planejamento e da Fazenda no governo Itamar Franco

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