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O plano ‘aguenta firme’

A presidente Cristina Kirchner ganhou tempo, mas não resolveu os problemas da economia argentina

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Por Redação
Atualização:

A presidente Cristina Kirchner “não vai sair daqui de helicóptero”, prometeu o ministro da Justiça, Julio Alak, em outubro último. Era o que havia feito um antecessor seu, Fernando de la Rúa, em 2001, quando não lhe restou outra alternativa para deixar o palácio presidencial, cercado por manifestantes que promoviam um panelaço contra seu governo. Em outubro, como em 2001, a Argentina enfrentava uma crise econômica, ainda que não tão aguda quanto a daquela época. O país suspendera os pagamentos de sua dívida externa. As reservas cambiais haviam caído e se encontravam em seu menor nível em oito anos; a inflação chegara a 40%; no mercado paralelo, o peso era cotado a 50% da taxa de câmbio oficial. A presidente parecia pronta para embarcar no helicóptero.

De lá para cá, a situação acalmou. As reservas cambiais subiram de US$ 28 bilhões para US$ 33 bilhões. A inflação caiu para 29%. O hiato entre o dólar paralelo e o oficial se estreitou. Isso não significa que a economia esteja em boa forma: o PIB argentino deve encolher 0,3% este ano. Em 9 de junho, as centrais sindicais paralisaram os transportes para reivindicar aumentos salariais e redução nos impostos. Mesmo assim, poucos argentinos acreditam agora que Cristina terá de ser retirada de helicóptero da Casa Rosada antes do término de seu mandato, em dezembro.

Cristina não corre mais o risco de deixar a Casa Rosada de helicóptero, como De la Rúa Foto: Dida Sampaio/Estadão

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A estratégia adotada para reanimar a economia foi trazer mais dólares para o país. Restrições severas às importações, impostas ainda em 2012, reduziram as perdas cambiais. E, apesar da moratória dos títulos externos, o governo conseguiu levantar recursos no exterior. Um swap cambial executado em outubro com a China, gerou US$ 5 bilhões. Em abril, as reservas foram engordadas com a captação de US$ 1,5 bilhão por meio de títulos denominados em dólar, emitidos sob a legislação argentina. E este mês, comprometendo-se a pagar juros de quase 10%, a Província de Buenos Aires conseguiu emitir US 500 milhões em títulos sob a legislação de Nova York. Juntas, essas medidas compõe o plano “Aguenta Firme”, diz Fausto Spotorno, da consultoria Orlando Ferreres & Asociados.

‘Fazer purê’. Num país em que as pessoas desconfiam de sua própria moeda, esse influxo de dólares revigora os ânimos. O governo usou o dinheiro para comprar pesos, o que contribuiu para pôr algum freio na desvalorização cambial e na inflação. Além disso, as autoridades argentinas ampliaram um programa - de inspiração um tanto amalucada -, que permite que os argentinos que ganham o equivalente a pelo menos US$ 1 mil por mês troquem 20% de seu salário por dólares no câmbio oficial. Os beneficiários faturam uma nota comprando pesos no mercado paralelo com 40% de desconto, prática conhecida como “fazer purê” (talvez porque os pesos sobrevalorizados sejam transformados numa grande massa de pesos baratos). Para o governo, o preço é salgado: Spotorno calcula que o programa custará US$ 6 bilhões este ano. Mas presta-se ao propósito de oferecer alguma sustentação ao peso no mercado paralelo, aplacando os receios de desvalorização.

Com a inflação em ritmo menos acelerado e mais dólares em circulação, o nível de confiança melhorou. Apesar da recessão, os consumidores começam, cautelosamente, a gastar mais.

É possível que Cristina tenha feito o suficiente para evitar outra crise antes de transferir a faixa presidencial para seu sucessor (ela não pode concorrer a um novo mandato). Mas não resolveu os problemas de fundo da economia. A sobrevalorização do peso deixou a indústria argentina pouco competitiva; as restrições às importações interromperam a cadeia de suprimentos de diversos setores. Gastos generosos com subsídios (para manter baixos os preços de energia, por exemplo) elevaram o déficit fiscal a cerca de 5% do PIB. Quando Cristina deixar o governo, as reservas provavelmente terão recuado aos níveis observados em outubro de 2014.

Seu sucessor vai ter que arrumar a casa. Isso significa permitir a desvalorização a que Cristina resistiu com unhas e dentes, a fim de que o comércio exterior volte à normalidade. O próximo presidente também terá de chegar a um acordo com os credores externos, se o país quiser captar recursos a juros razoáveis. E os argentinos provavelmente enfrentarão uma inflação mais alta e alguma dose de austeridade. Vão faltar candidatos a ministro da Economia, brincam os economistas. Se ele (ou ela) falhar, o futuro presidente pode se ver obrigado a manter um helicóptero de prontidão.

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© 2015 THE ECONOMIST NEWSPAPER LIMITED. DIREITOS RESERVADOS. TRADUZIDO POR ALEXANDRE HUBNER, PUBLICADO SOB LICENÇA. O TEXTO ORIGINAL EM INGLÊS ESTÁ EM WWW.ECONOMIST.COM

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