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Jornalista e comentarista de economia

Opinião|O plano da renda mínima

O próprio sistema capitalista parece interessado em propiciar um mercado mínimo de consumo para dar sustentação às empresas

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Atualização:

A pandemia do novo coronavírus amplificou um debate que já ganhava corpo: o da necessidade de que o Estado passe a garantir uma renda mínima para a população mais pobre.

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Essa deixou de ser apenas uma proposta de política social. Com o desemprego crônico agora agravado pelo crescimento da automação e das tecnologias digitais, o próprio sistema capitalista parece interessado em que se propicie um mercado mínimo de consumo que seja capaz de dar sustentação às empresas.

Agora, é o ministro da Economia, Paulo Guedes, grão-sacerdote do liberalismo econômico, que acaba de anunciar o programa Renda Brasil, ainda em estudos pelo governo.

No momento, o impulsionador do debate foi a implementação do Auxílio Emergencial, lançado pelo governo federal em abril para amparar a população que, de repente, ficou sem emprego, sem ocupação e sem renda, em consequência da suspensão de grande parte da atividade econômica e do isolamento social adotados para contra-atacar o vírus.

Forte retomada da economia está, ao menos em parte, relacionada à introdução do auxílio emergencial. Foto: Wilton Junior/Estadão

“O Auxílio Emergencial não é um programa de renda básica, mas abriu uma fresta para um projeto mais ambicioso. Muita gente percebeu que esta não é uma ideia maluca. Podem-se definir projetos que caibam no orçamento e que não afrontem os princípios de responsabilidade fiscal e social”, afirma a economista do Peterson Institute e colunista do Estadão, Monica de Bolle

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Com base em estudos elaborados por vários institutos, De Bolle defende uma proposta, ainda em fase embrionária, que procura atender famílias com crianças de zero a seis anos, com o pagamento de meio salário mínimo por mês. O objetivo declarado é reduzir a desigualdade e atacar a instabilidade dos trabalhadores informais, que oscilam entre uma ocupação e outra, sem garantia de renda. A ideia é similar ao programa Bolsa Família, que paga um benefício médio de R$ 180 por criança até os 18 anos, desde que sejam preenchidas certas condições de escolaridade.

Mas a professora De Bolle avisa que o Bolsa Família não pode ser substituído ou incorporado ao programa de renda mínima, como parece pretender o ministro da Economia. “A gente precisa complementar essa rede de proteção para alcançar as pessoas que não cumprem os requisitos do Bolsa Família”, defende. Ela garante que se pode evitar a duplicidade de pagamentos, na medida em que as famílias mais pobres teriam de escolher entre receber meio salário mínimo por um período mais curto ou receber menos, mas com a garantia de que a criança estaria assistida até a idade adulta.

Essa proposta exigiria dispêndio equivalente a 1,5% do PIB brasileiro e implicaria a aprovação de uma minirreforma tributária que incluísse o fim das deduções do Imposto de Renda (sem impacto para as famílias com renda mínima) e a tributação de dividendos. Para De Bolle, o programa é sustentável, já que é favorecido pelas mudanças da demografia brasileira, que vem aumentando a população idosa e reduzindo a natalidade.

Renda Básica da Cidadania

O economista Daniel Duque, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre-FGV), defende um plano mais abrangente que extingue o Bolsa Família e outros programas sociais e cria uma renda mínima (a tal da Renda Básica da Cidadania) de pelo menos R$ 142 para crianças, jovens, trabalhadores informais e idosos não beneficiados pelo regime de aposentadoria. O custo é bem mais alto: de nada menos que 3,9% do PIB (R$ 265 bilhões, a preços de 2018). Ele propõe que essas despesas sejam cobertas com receitas de um imposto sobre grandes fortunas, fim dos subsídios à iniciativa privada e imposição de um teto aos vencimentos do funcionalismo público, de modo a acabar com acréscimos nos salários.

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Para a vice-presidente da Rede Brasileira da Renda Básica, Tatiana Roque, a instituição de uma renda básica significaria “democratizar a segurança financeira”, algo que hoje beneficia apenas pessoas que desfrutam do regime formal de trabalho. Seria também a oportunidade de que o Estado passe a investir na qualificação dos jovens, que não precisariam abandonar os estudos para ajudar a família. Em última instância, a renda básica deve oferecer proteção num momento em que a automação destruirá muitos postos de trabalho.

Roque aponta a Islândia e a Finlândia como países que já experimentaram um sistema de renda básica, ainda que em escala ou tempo reduzidos. A Espanha, na semana passada, aprovou um projeto de renda universal, enquanto outros países europeus discutem iniciativas semelhantes.

O principal obstáculo continua sendo a insuficiência de recursos, num momento em que o Tesouro está quebrado e a dívida pública brasileira ameaça saltar para níveis próximos dos 100% do PIB. / COM GUILHERME GUERRA

Opinião por Celso Ming

Comentarista de Economia

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