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‘O protagonismo do Judiciário é uma realidade’, diz Pierpaolo Bottini

Para advogado, a Justiça brasileira assumiu protagonismo em razão da falta de consenso entre outros poderes

Foto do author Renata Agostini
Por Renata Agostini e Monica Scaramuzzo
Atualização:

À frente da negociação de importantes delações da Lava Jato, o advogado Pierpaolo Cruz Bottini vê como inevitável que o judiciário siga como importante ator político. Segundo ele, não se trata de fenômeno apenas brasileiro e o protagonismo da Justiça se tornou realidade pela incapacidade de outros poderes de formar consensos. “Não aconteceu porque determinado juiz decidiu ser ativista judicial. É estrutural”, diz Bottini, que é professor da Faculdade de Direito da USP. 

Ele observa que há temas à espera de apreciação pelo STF que terão grande impacto para empresas e executivos interessados em colaborar com as autoridades. “Há muita coisa em aberto e o sistema ainda não é 100% seguro.”

Para Bottini, MP deixou de ser apêndice do Executivo Foto: Tiago Queiroz/Estadão

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Após as eleições, o sr. publicou artigo externando preocupação com Jair Bolsonaro. Mantém o receio? Difícil fazer prognóstico do que será o governo. Coloquei critérios para apurarmos se há regressos sobre garantias de um regime democrático. Parece-me fundamental verificar a forma como o governo tratará o Judiciário e a imprensa. Acredito, porém, que temos um País muito mais preparado hoje para enfrentar qualquer tipo de arroubo totalitário e um Supremo Tribunal Federal atuante e com menos receio de gerar embates e controvérsias. O Ministério Público antes era um apêndice do Poder Executivo. Hoje é poder autônomo. 

O STF deve seguir pressionado e como protagonista político? O Judiciário entrar no palco como protagonista político é uma realidade – não só no Brasil. Em vários países da Europa e EUA o Judiciário é chamado cada vez mais. Ele criou um protagonismo político até por causa da dificuldade de outros poderes de formar um mínimo de consenso. Hoje, quando olhamos a Praça dos Três Poderes, onde a sociedade se manifesta? Não é mais na frente do Palácio do Planalto e do Congresso. As pessoas vão protestar em frente ao STF. Isso ocorreu não porque determinado juiz acordou e resolveu ser ativista judicial. É estrutural. 

Há questões que o STF precisa decidir e que se relacionam com as colaborações premiadas... Tivemos decisões importantes que deram segurança para colaboração. Primeiro, sobre quem faz a colaboração. Há alguns meses não se sabia se o delegado de Polícia poderia fazer ou não a delação. Agora, está fixado que sim. Segundo, quem homologa? É fundamental. O juiz, na hora que homologa, faz análise de mérito? Houve um voto importante do ministro Dias Toffoli nesse sentido. Terceiro, qual a força probatória da colaboração? A Segunda Turma disse que a colaboração só tem força probatória se houver dados de corroboração. Ou seja, a mera palavra do sujeito não é suficiente. Então, a cada problema que se apresenta vemos uma decisão que consolida o instituto. Se quisermos dar segurança, precisamos avançar ainda mais. 

Em quais pontos?  Por exemplo: a leniência protege ou não a pessoa física na esfera criminal? Não há lei que fale isso, mas hoje temos uma série de leniências que mencionam essa proteção. Essa promessa de proteção será cumprida? Outro tema são os regimes domiciliares criados em Curitiba. Há ministros que acreditam que é possível criar nova pena no acordo, outros entendem que não. É outra decisão que o STF terá de tomar. No caso da Odebrecht, há previsão do colaborador começar a execução da pena no momento que firmou o acordo. Ainda não há processo, mas ele já quer começar. É possível? Ele vai ser preso a que título? Tem uma questão de segurança jurídica que é preciso resolver. Há muita coisa em aberto e o sistema ainda não é 100% seguro.

A decisão sobre a prisão após segunda instância terá peso? A maior parte da operação Lava Jato ocorreu quando não podia haver prisão em segunda instância. Paulo Roberto Costa, Ricardo Pessôa, Alberto Yousseff foram presos assim. É claro que essa decisão tem interferência (nos casos de colaboração premiada), mas não é tão direta assim. Não é uma decisão que vá matar a Lava Jato. A questão é que a Constituição diz que não se pode considerar ninguém culpado antes do trânsito em julgado. Para mim, tem uma questão literal e não há como passar por cima.

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O fato de vermos casos de “recall” não fragiliza o instituto? Esse é outro ponto que é preciso resolver. Faço uma colaboração no âmbito da Lava Jato e conto todo o envolvimento da minha empresa no cartel da Petrobrás. Mas preciso também contar sobre eventuais problemas ambientais que tive em outro Estado? Não sei, mas é algo que precisamos definir. Precisamos discutir essa questão.

A ida de Sérgio Moro para o governo prejudica a Lava Jato? Quando um juiz vai para a política há desconforto entre os que foram julgados. Mas temos um fato: um juiz importante, que ajudou a construir essa operação, poderá levar ao Ministério da Justiça algumas práticas e replicá-las em todo o País. Não sei qual é o projeto dele. Temos de esperar para fazer uma crítica.

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