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O próximo lance

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Por Redação
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Qualquer jogador razoável de xadrez não faz seu movimento no tabuleiro sem levar em conta os próximos - os do adversário e os seus. É isso que se espera que tenha feito Ben Bernanke, o presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos). O corte de juros veio com características de eletrochoque, como ontem observou o Financial Times, de Londres. Isso sugere que seu principal objetivo não é reverter imediatamente a ameaça de recessão, como está no comunicado oficial, mas sim restabelecer um mínimo de confiança que vinha abalada. Embora em dose redobrada, o corte dos juros decidido terça-feira por si só parece não ter força suficiente para virar o jogo. Bernanke não conta com muita margem de ação. Uma das características da atual crise é a de que ela acontece em grande parte fora da rede bancária. O fenômeno financeiro do momento é a desintermediação. Operações de aplicação de dinheiro e tomada de financiamentos se fazem cada vez mais à margem da rede bancária. Os investidores vão aplicando em fundos e sociedades de crédito imobiliário. E massas crescentes de aporte de capital se fazem por commercial papers, subscrição de ações e debêntures ou por créditos hipotecários administrados por empresas - o que não quer dizer que os bancos estejam imunes aos efeitos da crise, porque eles estão em parte metidos nela. Ora, os bancos centrais exercem sua função supervisora apenas sobre os bancos e não há mecanismos que garantam empréstimos de última instância para a rede que opera por fora. Apenas juros básicos mais baixos, operações de redesconto mais baratas e injeções localizadas de liquidez podem não ser o suficiente para resgatar o mercado, cujos canais de crédito ficaram bloqueados. Apesar das opiniões em contrário, os juros nos Estados Unidos estão relativamente baixos. Como a inflação esperada para 2007 é de 2,7% (projeção da Economist), segue-se que o juro real oscila em torno dos 2% ao ano. Uma série prolongada de cortes leva ao risco de produzir nos Estados Unidos uma espécie de efeito Japão. Ao longo dos anos 90, o Banco do Japão (BOJ, banco central) manteve os juros em torno de 0% ao ano. Mesmo operando a juros reais negativos, não conseguiu que a economia engatasse a primeira marcha. E há a inflação a caminho a exigir contra-ataque. Os preços do petróleo estão acima dos US$ 80 por barril e não há previsões seguras de reversão. Em conseqüência da incorporação de 40 milhões de chineses por ano ao mercado global de consumo, a tendência das cotações das commodities e demais matérias-primas segue sendo de alta. Desapareceram na Europa as montanhas de estoques de leite em pó e manteiga porque os asiáticos passaram a consumir laticínios. Mesmo admitida a hipótese de que tenha de fechar temporariamente os olhos para a ação da inflação, o Fed não pode ignorar o efeito da alta dos preços sobre os juros reais. Enfim, talvez nem o enxadrista Bernanke saiba qual será seu próximo movimento.

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