11 de setembro de 2020 | 07h31
Ainda em desenvolvimento no Brasil, o mercado de títulos verdes tem potencial de crescimento por aqui, dizem especialistas. Segundo os dados mais recentes do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), a emissão de títulos de dívida temáticos, os chamados “títulos verdes, sociais ou sustentáveis", somou US$ 328 bilhões em todo o mundo no ano passado, alta de 57% ante 2018. Mas a América Latina e o Caribe responderam por apenas 2% desse total.
Criado para promover as finanças sustentáveis no País, o Laboratório de Inovação Financeira (LAB) fez uma pesquisa com possíveis emissores e investidores para saber quais incentivos e oportunidades poderiam fazer com que eles entrassem nesse mercado.
Do lado dos emissores, 4,61% citaram como fator um melhor preço. “A gente precisa de mais ativos e ativos verdes, que vão ter impacto na liquidez. E os instrumentos estão colocados. As mudanças nos marcos regulatórios, por exemplo, vão viabilizar a maior quantidade de ativos à disposição”, afirmou José Alexandre Vasco, superintendente de Proteção e Orientação aos Investidores da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
Do lado do investidor, os títulos verdes precisariam ter preços mais atrativos e competitivos (6,43%). "As pessoas têm interesse na sustentabilidade, mas elas ainda veem sua decisão de investimento atrelada ao retorno ajustado, ao risco e à liquidez. Antes de tudo, ele é um investidor. Depois, ele traz a lente de sustentabilidade para essa decisão", disse Annelise Vendramini, coordenadora do "Guia para Emissão de Títulos Verdes no Brasil", publicado em parceria da FGV com a Febraban e o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS).
A falta de conhecimento tanto sobre o mercado e sobre o destino dos recursos é um dos maiores entraves para a entrada de novos agentes no mercado de títulos verdes, segundo a especialista em finanças do BID Maria Netto. Diante da necessidade de maior transparência, já que 47% dos emissores de títulos na América Latina ainda não informavam o destino dos recursos captados e os impactos dos projetos, o BID criou uma plataforma de transparência sobre esses ativos.
A segurança jurídica também é um fator a ser perseguido na hora de atrair os agentes. "O setor de saneamento, que é extremamente importante no desenvolvimento sustentável, entrou para a lista de projetos de debêntures incentivadas com o decreto 10.387, de junho deste ano. No mês seguinte, já tivemos duas emissões emissão da Iguá Saneamento”, lembrou a gerente de Relações Institucionais do CEBDS, Tatiana Assali.
Na América Latina, os dois principais setores que emitem títulos verdes são ligados à energia (40%) e uso da terra – que abrange agricultura e manejo florestal – (36%), segundo o CBI. O restantes é dividido entre indústria (7%), projetos de resíduos (7%), recursos hídricos (5%), transportes (3%) e edificações (2%).
Segundo Annelise, uma das explicações para isso é o perfil dos setores que estão emitindo os títulos. “Como o mercado de green bonds surgiu em países desenvolvidos, onde a agenda de sustentabilidade estava muito ligada à energia e ao transporte, foi natural o mercado começar e se desenvolver por aí.”
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11 de setembro de 2020 | 07h10
Em um momento em que aumenta a demanda global por investimentos em “causas verdes” o Brasil soma 50 emissões sustentáveis e verdes no mercado de valores mobiliários, totalizando captação de US$ 8,1 bilhões. Ao emitir esses papéis, as empresas se comprometem a investir em projetos que gerem impacto ambiental positivo. A maioria está atrelada à exploração de florestas (38%) e à geração de energia renovável (24%).
Esses dados fazem parte de um levantamento feito pela empresa de soluções financeiras para impacto socioambiental Sitawi e compreende o período de maio de 2015 – quando a BRF lançou o primeiro título verde para investir em projetos de ecoeficiência – até a última captação de recursos, feita em agosto, pela Companhia Brasileira de Alumínio (CBA).
Embora a maior parte da captação tenha finalidade de manter os projetos das próprias empresas em andamento, já há iniciativas, como a do BV, que buscam atingir consumidores em geral, por exemplo, com o financiamento para compra de sistemas de energia solar.
O mercado internacional é o mais procurado, segundo a Sitawi, para a captação de recursos para projetos verdes: 69% dos papéis nacionais foram emitidos no exterior, e o instrumento mais utilizado foram as “global notes”, que representam 57% da carteira em volume negociado. O segundo instrumento mais utilizado foram as debêntures de infraestrutura, com 22%, mas estas foram todas vendidas no mercado de valores mobiliários nacional.
Integrantes do Laboratório de Inovação Financeira (LAB) acreditam que é preciso preparar o ambiente regulatório no Brasil para atrair investidores privados para diversos tipos de empreendimentos, incluindo os ambientais, já que, para eles, será impossível que todo o recurso venha do governo, cada vez mais enroscado com a questão fiscal. O LAB foi criado para promover as finanças sustentáveis no País e é composto pela Associação Brasileira de Desenvolvimento (ABDE), o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
“Temos feito um trabalho adicional com o CBI (Climate Bonds Iniciative) e o Ministério da Economia para mapear projetos federais que poderiam capturar financiamento (verde). Poder diversificar esse selo e converter o Brasil em líder na região é uma possibilidade bem interessante”, disse Morgan Doyle, representante do BID no Brasil.
Até 2030, seria possível transformar esses US$ 8,1 bilhões em trilhão, pois o País se comprometeu, no Acordo de Paris, a reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 43% abaixo dos níveis de 2005. Segundo cálculos do Banco Mundial, isso vai requerer investimentos de US$ 1,3 trilhão para que o Brasil aumente sua participação em bioenergia sustentáveL, restaure e refloreste 12 milhões de hectares na Amazônia e melhore sua infraestrutura.
A emissão de títulos verdes segue os mesmos ritos das de um título tradicional – desde a identificação de investidores, passando pela estruturação até ser colocado à venda no mercado – , apenas com um adicional: é preciso que um agente externo emita uma segunda opinião, atestando que o projeto de fato tem impacto ambiental positivo.
A Sitawi emitiu a segunda opinião de mais da metade dos títulos verdes no mercado, e o diretor de finanças sustentáveis da empresa, Gustavo Pimentel, disse que tem atualmente 10 mandatos em avaliação, com total de emissões de R$ 5 bilhões previstos ainda para este ano.
Segundo a especialista em finanças do BID, Maria Netto, o mercado de valores mobiliários ainda não tem indicadores padronizados que demonstrem o desempenho dos títulos verdes em relação a seus pares tradicionais. "As Bolsas de Valores estão considerando possíveis índices de classificação de títulos verdes. Estamos tratando do tema com a Nasdaq, em Nova York, e com a LuxSe, de Luxemburgo, por exemplo. A B3 vem trabalhando conosco em uma plataforma de transparência para tentar ver como os usos de recursos dos títulos têm impacto verde."
Veja alguns dos títulos verdes emitidos no País e os projetos sustentáveis financiados por eles:
O BV se tornou, em março de 2020, o primeiro banco privado a emitir um título verde, que trouxe a certificação internacional do CBI. Os recursos vão para um projeto que prevê o financiamento de sistemas de energia solar. “Em julho de 2019, a carteira (do projeto) contava com R$ 71 milhões e, em julho deste ano, estava com R$ 455 milhões, um crescimento de mais de 500% em 12 meses”, disse o BV por nota.
A BRF inaugurou, em 2015, o mercado de títulos verdes no Brasil. Foi a primeira empresa a emitir títulos verdes para financiar projetos que atendessem a pelo menos um dos sete critérios de elegibilidade (veja abaixo no projeto). “A BRF é a única empresa do setor de alimentos que faz parte do Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE) da B3, cuja finalidade é estimular a adoção de boas práticas”, disse a empresa por nota.
O Burger King lançou o primeiro CRI verde no mercado brasileiro, em 2019, em parceria com a H2Energy, empresa que atua no setor de energias renováveis.
A Klabin já emitiu dois títulos verdes no mercado internacional. O primeiro em 2017 e o segundo em 2019, que foi reativado em 2020. A empresa investe em 10 projetos sustentáveis e os que receberam os maiores aportes são focados em manejo florestal sustentável e energia renovável.
2017
2019
Manejo Florestal Sustentável:
Compra de madeira de integrantes do programa de fomento florestal da Klabin em parceria com instituições voltadas ao meio ambiente ou de produtores independentes. Cerca de 30% do total da madeira destinada à produção é adquirida de florestas de terceiros.
Energia renovável:
Projeto de construção de uma unidade de produção de tall oil. Trata-se de um subproduto do processo de produção de celulose que pode ser utilizado como mais uma fonte de energia renovável. A obra, na cidade de Ortigueira (PR), foi projetada para produzir 2,5 toneladas por hora de tall oil, em média, com base na operação diária e oito horas de limpeza por semana.
A CPFL se tornou, em 2016, a primeira empresa na América do Sul a emitir um título verde com certificação internacional do CBI. Também foi o primeiro título verde oferecido no Brasil.
A empresa possui 1,2 milhão de hectares, dos quais quase 500 mil são áreas naturais preservadas ou em processo de restauração. O título verde que emitiu no mercado nacional, em 2016, foi para financiar suas atividades.
A empresa emitiu quatro debêntures de infraestrutura em 2019 e 2020 para financiar linhas de transmissão de energia em Mariana (MG), Miracema (TO), Sant'ana do Livramento (RS) e Janaúba (MG).
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