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O retorno de uma velha inimiga

Os países da América Latina não aprenderam a lição e levaram seus bancos centrais a um novo teste inflacionário

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Por Redação
Atualização:
No Brasil, taxa anual de inflação está em cerca de 10,5% Foto: Marcelo Camargo/ABr

Os latino-americanos mais velhos guardam lembranças muito nítidas da hiperinflação. Bello (*) lembra-se de trocar dinheiro em meados dos anos 1980 na Bolívia e sair das espeluncas onde as transações aconteciam com um maço gordo de cédulas ensebadas, amarrado com elásticos. O Peru fez uma malfadada reforma monetária, em que o sol perdeu três zeros e por alguns anos foi substituído pelo inti, que não tardou a acumular outros tantos zeros.

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A hiperinflação destroça empresas, corrói sistemas políticos e tem consequências particularmente nefastas para os mais pobres. Era de se esperar que a América Latina tivesse aprendido essa lição amarga. Por isso, Bello experimentou um misto de déjà-vu e consternação recentemente em Caracas, quando, em troca de algumas centenas de dólares, recebeu uma caixa de sapatos abarrotada de bolívares. De acordo com as estatísticas oficiais, no ano passado, o índice de preços ao consumidor subiu 181% na Venezuela, maior alta registrada no mundo.

Para o Fundo Monetário Internacional (FMI), a inflação do país deve bater em 720% este ano. A Venezuela é um caso extremo de inépcia e negligência na administração da economia. Mas, enquanto o resto do mundo se inquieta com a deflação, em muitos países latino-americanos os preços estão em alta. Na Argentina, a inflação anual deve subir de 27% para 33%; no Brasil, está em cerca de 10,5%; no Uruguai, é apenas um ponto porcentual mais baixa, e na Colômbia, chegou a 7,6%. No Chile, no Peru e no México também se observa ligeira alta.

Os motivos variam um pouco. Na Venezuela e na Argentina, a elevação dos preços é consequência, sobretudo, da emissão de dinheiro para financiar subsídios indiscriminados. Ironicamente, na Argentina, é o corte desses subsídios, promovido pelo novo governo de Mauricio Macri, que está fazendo a inflação subir agora.

No Brasil, o governo também eliminou subsídios à energia elétrica e gasolina em 2015. Mas, segundo o economista Edmar Bacha - que nos anos 1990 integrou a equipe responsável por controlar o então crônico processo inflacionário brasileiro -, a principal razão de a inflação estar tão alta, apesar da recessão profunda que o País atravessa, é a indexação de preços. Em janeiro, por determinação legal, houve um reajuste de 11,6% no salário mínimo. O aumento tem impacto sobre outros salários e sobre as aposentadorias da Previdência Social, além de influenciar os preços dos serviços. Somado à negligência fiscal dos últimos anos, torna risível a meta de inflação (por si só já bastante tímida) de 4,5%, com margem de tolerância de 2 pontos porcentuais para baixo ou para cima, fixada pelo Banco Central.

Em outros países, a alta da inflação é consequência de desvalorizações cambiais, que estão empurrando para cima os preços dos produtos importados. Esse fator também está presente no Brasil e na Argentina. Embora o baque do câmbio tenha sido grande, as desvalorizações são saudáveis: é por meio delas que as economias latino-americanos estão se ajustando à queda brutal nos preços de suas exportações de commodities. Mas também colocam um dilema para os bancos centrais que adotam o regime de metas de inflação. No Brasil, no Chile, na Colômbia e no Peru, a autoridade monetária começou a subir os juros no ano passado, mesmo com a economia em desaceleração ou estagnada. No mês passado, foi a vez da Argentina promover a elevação de suas taxas de juros.

A boa notícia, segundo Alejandro Werner, do FMI, é que o repasse da desvalorização para os preços internos vem ocorrendo em proporção muito inferior à observada no passado. Pesquisa da instituição mostra que, antes de 1999, quando diversos países da região adotaram o câmbio flutuante e as metas de inflação, grandes desvalorizações exerciam enorme pressão sobre a taxa de inflação. Agora, o repasse médio nesses países está abaixo de 10% (isto é, se a moeda se desvaloriza 10%, os preços internos sobem menos de 1%).

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O banco central mexicano também elevou os juros no mês passado, muito embora a inflação do país esteja abaixo da meta estabelecida pela autoridade monetária. O peso foi golpeado pela queda nos preços do petróleo e pela fragilidade da indústria nos Estados Unidos, com a qual a economia mexicana está intimamente associada. Como o peso tem grande liquidez e é negociado dia e noite em mercados offshore, apostar contra a moeda parece ser “o caminho de menor resistência” para os operadores de câmbio, diz Luis Arcentales, do banco Morgan Stanley.

O banco central do México também anunciou que começaria a fazer intervenções no mercado cambial. Seria um sinal de que, em vez de se concentrar na inflação, a autoridade monetária agora estabeleceu uma meta para a taxa de câmbio? Não exatamente: a autoridade monetária estava preocupada com a possibilidade de que o ritmo de desvalorização do peso alimentasse expectativas de uma inflação futura mais alta. “Agindo com mais vigor agora, provavelmente será possível evitar um arrocho maior mais para a frente”, diz Arcentales.

As desvalorizações dos últimos dois anos são o primeiro grande teste a que é submetido o regime de metas de inflação na América Latina. Pode-se debater se este ou aquele banco central deveria ter apertado a política monetária mais cedo, ou mais tarde. Em linhas gerais, o que se percebe é que, para os países que perseguiram com mais seriedade suas metas de inflação, o custo da adaptação a um ambiente externo mais desfavorável está sendo muito menor. Pelo menos esses aprenderam a lição dos anos 1980.

(*) Nome dado a uma coluna publicada semanalmente na seção “Americas” de The Economist, onde as matérias, por decisão editorial em vigor desde a fundação da revista, em 1843, só excepcionalmente são assinadas. Criada em 2014, e atualmente sob responsabilidade do jornalista Michael Reid, a coluna é uma homenagem ao venezuelano Andrés Bello, importante intelectual e político latino-americano do século 19.

© 2016 THE ECONOMIST NEWSPAPER LIMITED. DIREITOS RESERVADOS. TRADUZIDO POR ALEXANDRE HUBNER, PUBLICADO SOB LICENÇA. O TEXTO ORIGINAL EM INGLÊS ESTÁ EM WWW.ECONOMIST.COM.

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