10 de dezembro de 2021 | 09h23
Em 15 de novembro de 1949 o professor de história Gaetano Salvemini entrou numa sala de aula na Universidade de Florença e disse: "Como eu estava a dizer na minha última aula". Havia se passado 20 anos desde a última vez que ele pisara ali.
Gaetano fora preso político, perdera sua cidadania italiana e tinha vários alunos que foram assassinados. A retomada da aula depois de 20 anos mostra um ato de coragem e resiliência de Gaetano. Ele transformou a sala de aula em um ambiente de sobrevivência intelectual, um universo paralelo que permaneceu vivo diante do horror.
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Soube desta história pelo podcast "Agora, agora e mais agora", do historiador Rui Tavares, e penso nela com frequência quando vou lecionar. Ela me lembra como minha geração, aquela nascida na década de 80, já com o fim de ditadura militar, tem sido de muitas formas sortuda.
Menos de um ano antes dessa aula memorável, em 10 de dezembro de 1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos era assinada no Palácio de Chaillot, na França. Nesta sexta-feira, 10, ela faz 73 anos. Com baixo valor jurídico - pois ela não era impositiva aos países -, mas com alto valor simbólico, ela foi o marco para o entendimento de que os direitos humanos ou são universais, ou não são nada.
É difícil apontar de forma causal a importância da Declaração. É um debate que contrapõe idealismo e materialismo na história. Sem os horrores materiais da guerra, teríamos tido o surgimento e o debate amplo sobre direitos humanos? Mas como teríamos pensado nisso sem que essas ideias tivessem sido incubadas por intelectuais durante séculos?
Apesar dessa dificuldade, acredito que seja impossível pensar na sociedade pós-moderna sem, mesmo que de forma implícita, pensar em direitos humanos. A ideia de democracia moderna se confunde com representatividade universal. Só há participação de todos no debate se cada indivíduo tem a permissão social para exercer seu ofício, expressar o que pensa e tem condições para tal.
Houve um enorme retrocesso em termos de direitos humanos no Brasil durante este governo. A Anistia Internacional listou mais de 30 violações de direitos humanos que ocorreram até agora no governo do presidente Jair Bolsonaro. Desrespeito aos povos indígenas, enfraquecimento do combate à tortura, decretos de posse de armas, derrubada de Lei de Segurança Nacional, desmonte de programas de combate à miséria - o que impede que pessoas possam acessar minimamente seus direitos fundamentais, "detratores do Guedes" e vigilantismo intelectual somam alguns dos exemplos vivenciados por nós.
Entraremos em um ano eleitoral. Prestemos atenção no respeito dos candidatos às instituições e aos direitos individuais. É fundamental.
*PROFESSORA DO INSPER, PH.D. EM ECONOMIA PELA UNIVERSIDADE DE NOVA YORK EM STONY BROOK
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