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'O risco nos emergentes é a alta da inflação contaminar as expectativas', diz diretor do BNP Paribas

Com a inflação crescendo em todo globo, países em desenvolvimento, como o Brasil, já começam a subir os juros, com o temor de que a alta dos preços se descontrole e afete o processo de recuperação econômica

Foto do author Célia Froufe
Por Célia Froufe (Broadcast)
Atualização:

BRASÍLIA - A inflação começa a se acelerar em todo o globo, fruto das medidas adotadas pelos governos para tentar diminuir o impacto da pandemia de coronavírus sobre as suas economias. Nos países avançados, o movimento deve ser o de um bumerangue, com os preços apresentando um repique e voltando ao normal na sequência. Já nos emergentes, há o temor de que se estenda por mais tempo e contamine as expectativas para o futuro. Por isso, bancos centrais (BCs) de mercados em desenvolvimento já começaram a subir juros, entre eles o Brasil. A análise sobre o comportamento mundial dos preços foi feita ao Estadão/Broadcast pelo diretor de Pesquisa Global para Mercados Emergentes do banco BNP Paribas em Londres, Marcelo Carvalho.

 Morando na Inglaterra e já vacinado contra a covid-19, o brasileiro vê a pandemia ainda como um risco importante para o globo e que revela uma divisão cada vez mais clara na imunização entre nações ricas e pobres. O ritmo de vacinação, segundo ele, será determinante para o caminho da retomada. No dia da Cúpula de Líderes sobre o clima, Carvalho também falou sobre a importância do tema. Para o economista, não é mais possível ter um plano de longo e médio prazos que não contemple o ESG (sigla em inglês para critérios ambientais, sociais e de governança) e a mudança climática. "Países emergentes como o Brasil deveriam olhar essa questão como um desafio, sim, mas, mais do que isso, como uma enorme oportunidade", afirmou. "Começamos 2021 ainda falando de pandemia, mas vamos terminar o ano falando de mudanças climáticas", acrescentou.

Marcelo Carvalho, diretor de Pesquisa Global para Mercados Emergentes do BNP Paribas em Londres. Foto: Felipe Rau/Estadão

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Leia abaixo os principais trechos da entrevista:

O Banco Central e o Ministério da Economia avaliam que há um "ambiente desafiador" para os emergentes, citando riscos inflacionários e reprecificação dos ativos financeiros. Esses temas realmente são uma preocupação para os países em desenvolvimento?

Inflação e reprecificação são desafios, sim, e tem outro, que é ainda a covid-19. É muito clara a diferença na vacinação entre os países avançados e os emergentes. No caso da inflação, trata-se de um tema global. Já começamos a ver um pulo dos índices para os próximos meses por causa de vários fatores. Um deles é a baixa base de comparação, outro é o impacto dos preços das commodities - em particular petróleo e alimentos. Há também os gargalos na cadeia produtiva. Para ilustrar: há falta de semicondutores para a indústria automotiva e o preço de carros usados nos Estados Unidos disparou.

E isso deve continuar por um tempo ainda, não?

Sim, porque não se resolve um problema de gargalo da noite para o dia. Há outro fator ainda, que é a demanda reprimida. Em Londres, os restaurantes que voltaram a abrir ao ar livre, estão lotados. Juntando-se tudo isso, é fácil entender por que o pulo na inflação continuará em todo o lugar. Nos mercados emergentes, em particular, tem um agravante, que é o fato de a inflação de alimentos ter peso muito maior na cesta de consumo do que no de países desenvolvidos, que é inferior a 20%. O impacto, portanto, é desproporcionalmente maior para os emergentes, como é o caso do Brasil.

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Mas é para acender uma luz amarela, ou mesmo vermelha?

Não chega a ser vermelha porque a expectativa é a de que este seja um aumento temporário, já que os fatores tendem a se dissipar ao longo do tempo. Depois do pulo, a inflação deve descer.

Isso vale tanto para as economias principais quanto para as emergentes?

Para as principais, é mais convincente que a inflação vai e volta. Para os emergentes, é menos garantido porque as expectativas de inflação não são tão bem ancoradas como nos países avançados e a credibilidade dos bancos centrais não é tão assegurada. O risco nesses mercados, ainda que em princípio seja temporário, é de que a alta acabe contaminando as expectativas de inflação para frente.

Por isso o BC brasileiro está tão preocupado com a meta de 2022...

Sim. Se ficar apenas para este ano, tudo bem. Se contaminar mais para frente é um problema. É bem interessante esse descasamento que está ocorrendo entre política monetária nos dois grupos. Há retomada do crescimento econômico, da inflação, só que os bancos centrais estão reagindo de formas superdiferentes. Nos avançados, estão segurando o juro em um patamar muito baixo por um período longo de tempo.

O Federal Reserve (Fed, o BC dos EUA) chegou a mudar seu sistema de metas de inflação, sendo mais tolerante.

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Exatamente. Antes, seguia o sistema de metas de inflação, o mesmo do Brasil. Agora mudou a estratégia, depois de anos de ver sua inflação abaixo do alvo, e passará a ter uma reação assimétrica. Se a economia americana não for bem, vai deixar o juro baixo um bom tempo. Se for bem, também. Porque o maior temor do Fed é com o risco de 'japoneização' - a inflação estava tão baixa no Japão que a economia não saía do lugar. O Fed já sabe como administrar um problema de inflação alta. Já a baixa demais ou deflação é um bicho diferente, um animal esquisito. A estratégia do Fed, portanto, é a de evitar esse risco de ficar no atoleiro da deflação.

Nos emergentes, a história é outra.

Sim, os BCs já começaram a aumentar os juros. Na mesma semana, houve alta no Brasil, na Rússia e na Turquia. E mais: subiram mais e antes do que o mercado financeiro previa. Isso acontece por causa do impacto da inflação de alimentos, das expectativas de inflação menos ancoradas e da manutenção do modelo de metas de inflação. Os emergentes não podem se dar ao luxo, como o Fed fez, de escolher olhar para uma média de inflação. Nesses países, a meta é ainda no modelo tradicional: se a inflação imbica, o BC aumenta os juros. E haverá mais aumentos nesses emergentes. O Brasil já avisou que vai, a Rússia também... até o fim do ano, Chile, República Tcheca e Hungria também devem elevar as taxas. Esse ciclo deve continuar no ano que vem, com outros bancos centrais entrando para o "clube" - mencionaria Colômbia e África do Sul. Na Ásia emergente, há menos risco de inflação e os juros podem ficar baixos por mais tempo.

E a questão da reprecificação dos ativos?

Essa é uma expressão chique para dizer "balançou o coqueiro" quando se olha para o mercado de títulos americanos. A retomada da economia americana está superforte e isso vai ficar mais claro no segundo e terceiro trimestres, com números quase sem precedentes por causa do avanço da vacinação e do estímulo econômico, seja pelos juros baixos por mais tempo ou pelo pacote fiscal massivo do presidente Joe Biden. Esses números fortes da atividade e da inflação devem levar a um debate sobre se não estará havendo um superaquecimento. Será que não foi longe demais? Será que a economia está rodando além do seu potencial? Este é um debate e, neste contexto, houve um início de especulação sobre se não era o momento de reduzir os estímulos monetários.

Mas houve um compromisso entre os países do G20 este mês de que a retirada desses estímulos não seria precipitada.

Tem tido esse esforço de comunicar que não há pensamentos sobre o aumento de juros pelo Fed. No BNP, acreditamos que a redução de compras de ativos financeiros desse tapering só ocorrerá em meados do ano que vem e que o primeiro aumento de juro americano apenas será visto em 2023. Está muito cedo para se preocupar com aperto monetário nos EUA. Isso dito, o mercado questiona essa possibilidade à luz dos dados fortes que vêm pela frente. Por isso houve a reprecificação dos ativos. O juro dos títulos de 10 anos espirrou, passando de perto de 1% para quase 2% em pouco tempo. Esse movimento é que deu um chacoalhão dos mercados emergentes e isso tem impacto sobre o dólar e sobre o fluxo de capital para esses países. A maior parte do ajuste provavelmente já aconteceu e o juro deve fechar o ano em 2,2%. Há, portanto, duas mensagens nessa expectativa: a de que a direção ainda é para cima e a de que isso deve acontecer de forma gradual. Se for assim, ainda é um ambiente favorável, porque a liquidez global ainda é muito ampla. Mas há risco ainda de os mercados ficarem nervosos e haver mais volatilidade. E isso não será boa notícia para os emergentes.

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O senhor mencionou a liquidez global e os fluxos de capital para emergentes e, desde o início da pandemia, se fala nessa quantia maior de dinheiro disponível. Por que os emergentes, o Brasil entre eles, não conseguem surfar na onda e captar mais recursos?

Eu resumiria assim: não está fácil para ninguém. O que levou a essa abundância da liquidez global foi a pandemia, que afetou os países avançados e emergentes, e que não encontra nestes mercados uma situação macroeconômica melhor. Ainda assim, é uma situação que favorece os emergentes. A outra consideração é que, quanto mais fortalecidas estiverem as economias emergentes, maior será o fluxo. E ainda há muito a fazer nesses países. A começar, no curto prazo, pela questão da covid-19, como avanço na vacinação. E há o desafio das finanças públicas, que, no Brasil, é particularmente relevante.

O senhor falou rapidamente sobre o impacto da vacina para a retomada econômica do globo. Poderia dar mais detalhes?

A diferença na imunização aumenta a dispersão nos números de crescimento deste ano e a volatilidade. Não será um crescimento linear contínuo, mas aos trancos e barrancos, já que várias economias estão sendo obrigadas a restringir a mobilidade. Mesmo no caso do Brasil, não me parece que será uma linha reta. Essa história de maior volatilidade ao longo do ano vai impactar vários emergentes. Os que conseguirem avançar mais rapidamente na vacinação tendem a ter recuperação mais rápida. Quem ainda está lidando com a covid-19, tende a ter recuperação mais lenta.

Hoje começa a Cúpula de Líderes sobre o Clima. Qual é a importância que os emergentes devem dar ao tema?

Começamos 2021 ainda falando de pandemia, mas vamos terminar o ano falando de mudanças climáticas. À medida que a vacinação avança, a pandemia vai ficando para trás e entram em cena para ficar as questões relativas às mudanças climáticas, como o ESG. No segundo semestre, haverá a reunião da Cop26 aqui do Reino Unido, que deve concentrar as atenções dos mercados, dos governantes e tem o potencial para ser tão importante quanto a que fechou o Acordo de Paris. Hoje não é mais possível ter um plano de longo e médio prazos que não contemple o ESG e a questão climática. E nesse aspecto, os países emergentes têm um papel importante a desempenhar. Para países como o Brasil, as oportunidades na questão ambiental são únicas. E não falo apenas sobre a Amazônia, mas sobre energias alternativas. Países emergentes como o Brasil deveriam olhar essa questão como um desafio, sim, mas, mais do que isso, como uma enorme oportunidade.

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