PUBLICIDADE

Publicidade

O segundo pecado capital

É ingenuidade condenar os bancos por sua avareza na hora da cobrança de juros

Por Luis Eduardo Assis
Atualização:

No sufoco da recessão mais dramática de que se tem registro na história do Brasil, uma pequena lufada de vento sugere, timidamente, que o pior já passou. A inflação despenca, a Bolsa sobe, a produção industrial dá sinal de vida e os juros caem. Opa, melhor olhar de novo. Os juros caem? Será mesmo? Não há dúvida, claro, de que o Banco Central já reduziu e vai continuar reduzindo a taxa Selic. Mas os juros cobrados pelos bancos continuam nas alturas. Em janeiro deste ano, a taxa média cobrada para empréstimos não direcionados de pessoas físicas cravou 72,7%. Essa é a média. As taxas cobradas no cheque especial, por exemplo, estavam em 328%.

PUBLICIDADE

Quando o Banco Central desistiu de sua estratégia suicida em abril de 2013 e iniciou um novo ciclo de alta da Selic, o spread para pessoas físicas era de 25,4 pontos porcentuais. O ciclo de alta durou até julho de 2015, quando a Selic estacionou em 14,25%. Neste período, o spread acompanhou a trajetória de alta da taxa básica e subiu para 46,4 pontos porcentuais. Ou seja, a Selic subiu 7 pontos; o spread foi elevado em 21 pontos, três vezes mais.

Vamos adiante. Entre julho de 2015 e outubro de 2016, a Selic ficou estável em 14,25%. Mas o spread continuou subindo e superou 60 pontos porcentuais quando o Banco Central começou o atual ciclo de corte de juros. Desde outubro do ano passado, a taxa Selic vem caindo. O spread baixou? Não. Em janeiro de 2017, o spread era de 61,2 pontos, até um pouco maior do que era em setembro do ano passado.

Conclusão: quando a Selic sobe, o spread sobe, mas quando a Selic para o spread continua subindo. Mais: quando a Selic cai, o spread fica estável. Alguém poderia argumentar que o spread responde à variação da inadimplência, e não da taxa básica. Na recessão, o calote sobe e os juros têm de subir também para defender sua margem de lucro. É uma boa tese. Mas, da mesma forma que a mentira é uma verdade que esqueceu de acontecer, aqui também os fatos desmentem a teoria.

Em 2013, pelos dados do próprio Banco Central, quando o spread bancário para pessoas físicas era de 26,3 pontos, a inadimplência média foi de 4,8%. Em 2016, a inadimplência caiu para 4,2%, mas o spread médio subiu para 58 pontos, mais que o dobro.

Há quem atribua esse descompasso à ganância dos bancos. Mas isso não tem nada que ver com o segundo pecado capital. O preço do dinheiro é formado como o de qualquer outro produto ou serviço. Ele depende da estrutura concorrencial do mercado, do grau de importância do que está sendo vendido e da possibilidade de obter produtos substitutos (isto é, da elasticidade do preço da demanda, no jargão dos economistas).

Temos hoje no mercado bancário um oligopólio em que a pequena transparência entre as condições de oferta reduz enormemente o poder de barganha do consumidor. É fácil de comparar e escolher na prateleira do supermercado a marca de suco de laranja que tem o menor preço. Com juros bancários isso é impraticável.

Publicidade

É ingenuidade condenar os bancos por sua avareza. A precificação dos empréstimos obedece a uma lógica objetiva, determinada pelas condições de mercado.

Tabelar juros seria uma aberração. Mas ganharíamos todos se o Banco Central determinasse aos bancos duas medidas objetivas: a simplificação dos procedimentos para encerramento e transferência de uma conta bancária para outra instituição e a divulgação, por meio de um extrato simples e padronizado, de todos os custos cobrados do cliente, mensalmente. Não é pecado cobrar juros altos. Mas é um erro não estimular a concorrência entre os bancos. * ECONOMISTA, FOI DIRETOR DE POLÍTICA MONETÁRIA DO BANCO CENTRAL E PROFESSOR DA PUC-SP E DA FGV-SP. E-MAIL: LUISEDUARDOASSIS@GMAIL.COM 

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.