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O sétimo selo

Por Dionísio Dias Carneiro
Atualização:

Visões nada animadoras acerca das ações do governo Obama para conter a crise nos remetem aos pesadelos visionários de São João, quando este se refugiava na Ilha de Patmos. As mensagens aos efésios que resultaram dessas visões formam o que é conhecido como o Apocalipse. Há alguns meses, o prof. Brad DeLong, de Berkeley, historiador econômico e ex-subsecretário do Tesouro de Bill Clinton, previu que haveria sete tentativas de políticas para lidar com esta crise. Serão os sete selos? A primeira foi a oferta de liquidez interbancária em agosto de 2007, quando se tentou impedir que a crise que atingiu os bancos europeus chegasse aos EUA. A segunda foi a queda de juros, dois meses depois, para combater as expectativas de deflação, seguida do afrouxamento quantitativo. A terceira foi o envio de cheques de devolução de impostos para estimular o consumo. Segundo o economista da Universidade de Harvard Martin Feldstein, apenas 19% da devolução virou consumo. A quarta foi a administração federal das aquisições e fusões, como a que permitiu a absorção do Bear Sterns pelo JP Morgan, a confirmação do caráter estatal de Fannie e Freddie e a nacionalização de fato da AIG. O movimento foi interrompido pela quebra do Lehman, segundo o secretário do Tesouro americano, Tim Geithner, por falta de base legal. Uma base legal ampla e irrestrita foi testada na quinta tentativa, o Plano Paulson, segundo o qual o Congresso lhe daria US$ 700 bilhões de munição sem questionar seu julgamento. Não funcionou nem pela base legal nem pela estratégia de diminuir a oferta de ativos podres na praça de modo a encorajar os investidores privados a comprar o resto. A sexta tentativa foi a decisão de recapitalizar, à europeia, os bancos americanos com dinheiro público. O capital sumiu, empurrando o governo para enfrentar o verdadeiro tamanho do abismo. Finalmente, a sétima tentativa foi o programa "keynesiano" de gastos, devidamente empacotado por Obama como reformas estruturais para permitir a economia americana sair da recessão mais competitiva e tentar evitar a desmoralização do dólar. A tarefa é hercúlea, pois a trajetória da dívida pública de um governo sem restrição de gastos aponta para uma saída inflacionária que pode decretar o fim da moeda internacional de emissão soberana, como sugerem os chineses. Os economistas se mostram divididos quanto às possibilidades de abreviar a recuperação sem estatização das principais instituições financeiras. Mas o governo americano se esforça para preservar o papel dos mercados na precificação de ativos podres. Não fosse a indignação pública provocada pelos bônus pagos com dinheiro público, talvez o ceticismo quanto ao Plano Geithner de 23 de março fosse menor. O que virá depois do sétimo selo? No Apocalipse de São João, as trombetas fazem tremer a terra, mas anunciam a chegada do Paraíso. O Paraíso anunciado pelo Apocalipse é uma boa imagem para a tentativa de separar o passado pecaminoso de um futuro virtuoso e lucrativo. No caso presente, a novidade veio na forma de um novo tipo de qualificação legacy assets. Isso requer achar preços "justos" para os ativos sem preço que pesam nas asas dos bancos e impedem a decolagem da oferta de crédito, sob nova regulamentação (que ainda não veio) e sob nova confiança (ainda a ser restaurada). Programas deste tipo geram dois temores (o que não significa que não devam ser tentados). Um, é que não ressuscitem a oferta de crédito, a exemplo das outras tentativas de fazer o sistema pegar outra vez. Ou seja, falte fé. Outro temor é que os subsídios sejam tamanhos que impliquem transferências impalatáveis de dinheiro público para os acionistas dos bancos, um desafio político para Obama. Ou seja, sobre indignação. O programa é um esforço engenhoso para gerar preços de mercado e evitar a solução deselegante de estatizar totalmente os bancos atingidos, o que dispensaria o governo de ter de avaliar ativo por ativo, antes de absorvê-los. O primeiro teste: os mercados de ações reagiram bem aos primeiros anúncios. O segundo teste depende dos resultados práticos dos leilões. Para mim, não é claro que o novo plano restaure a funcionalidade do sistema financeiro. Não há seguro de crédito disponível nem atratividade para a capitalização privada das instituições sobreviventes. Ou seja, pode requerer mais quebras ou estatização. Além disso, o aumento da inflação esperada não costuma elevar a oferta de crédito, mas a demanda. O caminho do Paraíso requer spreads em baixa dos títulos privados. Não há sinal disso no horizonte. *Dionísio Dias Carneiro, economista, é diretor da Galanto Consultoria e do IEPE/CdG

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