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Economista e diretor-presidente da MCM Consultores

Opinião|O socorro a Estados e municípios

Não há como negar a necessidade de aportes extraordinários da União para esses entes federativos

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Atualização:

É inegável que o distanciamento social para reduzir a velocidade de contaminação pelo novo coronavírus e evitar o colapso do sistema de saúde provocará quedas expressivas na arrecadação dos Estados e municípios, provavelmente em maior intensidade do que ocorrerá com o governo federal. Os principais tributos que financiam esses entes federativos – a saber, ICMS e ISS – são ligados diretamente à atividade econômica.

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Os orçamentos dos Estados e municípios foram elaborados com base em projeções de crescimento real da economia entre 2% e 3%, o que, somado à inflação estimada (em torno de 3,5%), tenderia a propiciar elevação, em média, de aproximadamente 6% da arrecadação em relação a 2019. Com base nessas expectativas foram desenhadas as políticas públicas e orçadas as despesas para o corrente ano. Assim, o Projeto de Lei Complementar (PLP) 149/19, aprovado na Câmara, que determina a recomposição, pelo governo federal, da queda nominal da arrecadação dos próximos seis meses, em relação ao observado no mesmo período do ano passado, não elimina a necessidade de os governos estaduais e municipais realizarem cortes em suas despesas.

Estados e municípios não têm fonte de financiamento além de suas próprias receitas e das transferências constitucionais. Não podem, como a União, lançar mão de endividamento ou emissão monetária. Além da frustração de receita, terão de arcar com o aumento dos custos na área de saúde, em decorrência do avanço da epidemia. Assim, não há como negar a necessidade de aportes extraordinários da União para Estados e municípios, não só na fase mais aguda de evolução do surto epidêmico, que de acordo com o Ministério da Saúde deve ocorrer entre maio e junho, como nos demais meses do ano, dado que a saída do isolamento social e a recuperação do crescimento econômico tendem a ser bem graduais. Nesse sentido, o PLP tem inegável mérito, ao reconhecer a necessidade de amparo da União aos demais entes federativos, em montante mais ajustado ao tamanho da crise do que o que tem sido proposto pelo Ministério da Economia.

Mas há uma crítica pertinente quanto à forma como o projeto foi concebido na Câmara. Ao oferecer esse seguro contra queda de arrecadação, o projeto poderia criar um incentivo perverso aos entes federativos, desestimulando-os não só de tentar maximizar sua arrecadação tributária, como também de promover cortes e racionalizações em suas despesas, de modo a financiar os gastos extras com o controle da epidemia e outras ações na área de saúde. Isso é o que os economistas chamam de risco moral ou, em inglês, moral hazard. Concordo em parte com essa crítica, mas creio que a solução é mais simples do que alguns colegas economistas e técnicos do Ministério da Economia vêm alardeando.

Digo que concordo só em parte porque, como foi dito no início deste artigo, ainda que os Estados e municípios tenham suas receitas recompostas no mesmo nível nominal de 2019, serão forçados a realizar políticas de austeridade fiscal, uma vez que suas despesas foram orçadas com base nos cenários de arrecadação de antes da crise.

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E para eliminar de vez o moral hazard decorrente do PLP, a solução é utilizar o mesmo procedimento adotado pelas companhias de seguros, que consiste na coparticipação do segurado nos custos do sinistro. É o que todo proprietário de veículo conhece pelo nome de franquia. A proposta aqui é simples: ao invés de cobrir 100% da eventual queda nominal da receita, a União garantiria a recomposição da maior parte, mas não do total dessa perda. Minha sugestão é que se adote o porcentual de 90% de reposição. Essa parte não recomposta, somada à frustração de receita já mencionada, garante expressiva coparticipação do ente federativo nos custos da crise, não havendo mais que falar em incentivo perverso.ECONOMISTA E DIRETOR-PRESIDENTE DA MCM CONSULTORES, FOI CONSULTOR DO BANCO MUNDIAL, SUBSECRETÁRIO DO TESOURO NACIONAL E CHEFE DA ASSESSORIA ECONÔMICA DO MINISTÉRIO DA FAZENDA

Opinião por Claudio Adilson Gonçalez
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