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O sufoco do setor de veículos

Foto do author Celso Ming
Por Celso Ming e celso.ming@grupoestado.com.br
Atualização:

Como tanta coisa na vida, há duas maneiras de encarar o desempenho de dezembro da indústria nacional de veículos: a pessimista e a otimista, ambas com prejuízo da objetividade. A pessimista se apegou aos números da produção. Quem os vê de supetão leva um susto porque parecem apontar para uma catástrofe: queda de 47,1% em relação ao mês anterior. Mas o simples enunciado dessa relação estatística não considera fatos importantes. Dezembro, por exemplo, foi o mês em que as montadoras pararam as linhas de montagem e deram férias coletivas para garantir desencalhe de estoques. Assim, foi natural que a produção despencasse. A maneira otimista de olhar os resultados é tomar os dados de vendas de dezembro e compará-los com o mês anterior. E então se vê que foram 9,4% superiores. O presidente da Anfavea, Jackson Schneider, preferiu ontem enfatizar esse lado e saudou as medidas tomadas pelo governo Lula, que reforçaram o crédito e reduziram o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) cobrado sobre a venda de veículos. Apesar da paradeira que enfrenta desde novembro, a indústria de veículos vendeu no ano passado nada menos que 14,5% mais unidades do que no ano anterior. Trata-se de excelente resultado, que não reflete o mau momento que o setor vive agora. A queda das vendas nos dois últimos meses do ano teve um mau diagnóstico e, por causa disso, tratamento inadequado. A quebra das vendas em novembro foi inicialmente interpretada como consequência do bloqueio do crédito. E essa foi a principal razão pela qual o tratamento dado foi a transferência de R$ 8 bilhões a instituições financeiras ligadas à indústria automobilística para que voltassem a irrigar o crédito. O segundo diagnóstico, também equivocado, é o de que a queda de vendas se deveu ao comportamento conservador do consumidor diante da crise global. Ele estaria adiando as compras por temer o desemprego e a quebra da renda familiar, e não se disporia a fazer extravagâncias. O governo Lula tentou interromper a suposta resistência reduzindo o IPI, que em média barateou os veículos em 4,6%. Melhor é entender que a derrubada das vendas é mais consequência da saturação do mercado do que de escassez de crédito e de retração do consumidor. Em meados deste ano, o mercado vinha crescendo a mais de 30% ao ano e as vendas oscilavam em torno de 280 mil unidades mensais. Esses compradores ainda estão pagando as prestações. Não têm condições de acorrer às concessionárias para uma nova compra, por mais linhas de crédito que se abram ou porque tenha ocorrido alguma queda de preços incentivada com redução de impostos. Nem na China o mercado cresce a essas proporções. Isso significa que a atual fase de retração deve ser encarada como natural. Teria acontecido mesmo se não houvesse a crise global. Se é para lembrar que há males que vêm para bem, a derrubada das vendas ao menos está amadurecendo as empresas e os sindicatos para a reforma da vetusta legislação trabalhista. A flexibilização das relações entre capital e trabalho ocorre quase espontaneamente, à revelia da cartolagem sindical, que tanta resistência opõe a ela por puro oportunismo político. Confira Adeus recorde agrícola - A produção física de grãos vai cair este ano. As estimativas variam. O IBGE calcula que a produção vai cair 5,9%. E a Conab espera 4,9%. Mas as duas instituições parecem convergir para a produção na casa dos 137 milhões de toneladas. Essas projeções não têm nada a ver com queda da renda com base na baixa das commodities. Tem a ver com queda no volume produzido. E o principal fator que explica a provável quebra de safra é o clima. No Rio Grande do Sul, foi a seca forte. No leste de Santa Catarina, foram chuva demais e as inundações.

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