Publicidade

O trabalhismo de Obama

Por José Pastore
Atualização:

Durante a campanha eleitoral, Barack H. Obama defendeu a aprovação de uma nova lei que objetiva mudar o sistema de criação de sindicatos nos EUA. De acordo com as regras atuais, os empregados de uma empresa que tiverem interesse em criar um sindicato dirigem-se ao National Labor Relations Board (Conselho Nacional de Relações do Trabalho) solicitando a organização de uma eleição na empresa. Com base em normas muito transparentes, o conselho toma as providências para a realização do pleito, que por sua vez é precedido por uma campanha aberta e democrática. Nesta, os empregados difundem aos seus pares as vantagens da sindicalização e a empresa faz o inverso. É proibida ainda a prática de condutas anti-sindicais. A empresa não pode perseguir nem ameaçar os empregados, e estes não podem coagir os seus colegas. Por meio de uma votação secreta, se 51% dos empregados forem a favor, o sindicato será criado e a empresa terá de negociar com ele. É difícil encontrar um sistema mais democrático do que esse. Pois bem. Em 2007, quando os democratas fizeram maioria na Câmara dos Deputados, por 241 votos a 185, foi aprovado um projeto de lei - Employee Free Choice Act - que retira do sistema atual todos os componentes democráticos. O projeto prevê a criação do sindicato por meio de decisões expressas pelos empregados num cartão assinado (card check) a ser enviado ao Conselho Nacional de Relações do Trabalho. Terminam o voto secreto e a campanha eleitoral. Se os cartões forem maioria, o sindicato será criado. O projeto de lei está no Senado, sob o número H.R. 800, onde tramita nas várias comissões da Casa. Obama, seu principal patrono, comprometeu-se com os eleitores de aprová-lo, o que agradou em cheio aos sindicalistas, a ponto de a Central Sindical dos Trabalhadores (AFL-CIO) ter contribuído com US$ 200 milhões para a campanha do candidato. Em uma pesquisa realizada entre os empregados, 52% foram favoráveis e 48% se mostraram contrários ao novo sistema. Foi um resultado apertado. Entre os senadores, 51 são a favor, faltando apenas 9 votos para a sua aprovação - o que seria conseguido facilmente com o empenho de Obama. Mas o debate é intenso. Durante a campanha, o senador John McCain argumentou que o card check é uma manobra antidemocrática para aumentar o número de sindicatos e filiados nos EUA, que, como se sabe, vem definhando a cada dia. A filiação é de apenas 12%, sendo a maioria constituída por funcionários públicos. Para o setor privado, estima-se em 7,5% a filiação. Embora o uso de cartões tenha ocorrido em um ou outro caso, os tribunais têm ressaltado que essa é a pior maneira de se aferir a vontade dos trabalhadores, como se lê nestes casos: "As eleições secretas constituem o método mais satisfatório e mais preferido para captar a disposição dos trabalhadores em criar um sindicato" (processo NLRB x Gissel Packing Co. 395 U.S. 575, 602, 1969). É impossível imaginar um método menos confiável para se acessar a vontade dos trabalhadores do que o check card (processo NLRB x S. S. Logan Packing Co., 386, F 2d 562, 565, 4th Circuit, 1967). Os empresários, representados pela U. S. Chamber of Commerce, estão enfurecidos, argumentando que o novo método tira a privacidade do voto e torna os trabalhadores alvo de coação e pressão por parte de dirigentes sindicais. Isso contrariaria a tradição democrática dos americanos de escolherem seus líderes livremente por meio de votação secreta. O presidente eleito anunciou que renunciará ao seu cargo de senador no início de dezembro de 2008. Resta saber se isso valerá como desculpa para fazer "corpo mole" em relação ao projeto. Mesmo porque os EUA perderam 1,2 milhão de empregos nos primeiros nove meses de 2008, estão condenados a perder muito mais em 2009 e precisam desesperadamente de investimentos produtivos, inclusive para repatriar os empregos que saíram do país. Este é um dos vários dilemas do presidente Barack H. Obama. Se demonstrar empenho e aprovar o projeto, desagradará aos investidores. Se fizer o contrário, desapontará os sindicalistas. Como agirá? Sabe-se lá. Quem viver verá. *José Pastore é professor de relações do trabalho da Universidade de São Paulo Site: www.josepastore.com.br

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.